Como tudo na ação política de Bolsonaro, nem sempre o que parece ser, é. Assim, já corre em Brasília a tese de que a surpreendente escolha do desembargador Kassio Nunes para substituir o ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF) é apenas um balão de ensaio, que pode não se concretizar.
Estaria testando a resistência do nome às chuvas e às trovoadas que normalmente ocorrem nessas ocasiões. Uma primeira impressão é que o nome passa bem no teste, mas as pressões internas para que o indicado seja um ministro do STJ, mais graduado que o desembargador, estão intensas.
A escolha tem aspectos bons, como não se basear em critérios estapafúrdios para indicar alguém “terrivelmente evangélico”, ou que tome cerveja com ele, e outros nem tanto, como fazer uma escolha claramente baseada em critérios políticos.
Assim como Dias Toffoli foi nomeado por ter sido advogado do PT, o desembargador Kassio Nunes é um escolhido do Centrão. Quando foi nomeado para a vaga do quinto constitucional no Tribunal Federal Regional, em 2011, teve o apoio do então governador petista Wellington Dias, preferia ir para Brasília a ficar em Recife, no TRF-5, que abrange o nordeste.
Nesses quase 10 anos, teve tempo de fazer um networking político de dar inveja, trafegando nas mais diversas correntes políticas, e contou com a sorte. Estava visitando ministros do STF e políticos para tentar ser nomeado para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), e acabou escolhido para o STF. Não que o desembargador seja desqualificado para o cargo, tudo indica que não, pelo menos se comparado ao candidato preferencial de Bolsonaro, o ministro-chefe da Secretaria de Governo Jorge Oliveira, que foi sutilmente tirado da lista nas sondagens informais junto aos ministros do STF.
Bolsonaro executou com maestria um “drible da vaca”, como comparou um ministro do STF, “daqueles que o Ronaldinho deixava o zagueirão no chão”. Bolsonaro deve ter gostado da comparação futebolística. Ele havia jogado vários nomes no ar, e apareceu com uma novidade, uma solução diferente do que estavam esperando.
A indicação aparentemente agradou aos ministros do STF, que identificam o desembargador como uma pessoa centrada, equilibrada, com posições sensatas. Por exemplo, é a favor da prisão em segunda instância, mas acha que a decisão deve ser do juiz. Acredito que a escolha já esteja definida, pois Bolsonaro levou-o à casa de Gilmar Mendes, onde estavam Dias Toffoli e David Alcolumbre, presidente do Senado, e anunciou que ele seria indicado. Mas muitos ministros do Supremo estão estranhando que o anúncio tenha saído de uma reunião política.
Entendo a escolha como uma tentativa do presidente de demonstrar ao STF respeito, e entendimento de que não poderia escolher alguém que “toma cerveja” com ele. Mostrou que, na prática, acha que não deve fazer o que estava anunciando para sua platéia. Foi um gesto de aproximação. Se for mesmo escolhido por Bolsonaro, o desembargador não terá problemas no Senado, pois seu padrinho político é o Senador Ciro Nogueira, e, entre outros, tem o apoio de Renan Calheiros, do ex-presidente José Sarney e do ex-senador Romero Jucá. Aquele que disse que seria preciso fazer um acordo, “com o STF e tudo”, para acabar com a Lava-Jato.
É o que deve acontecer, pois Kassio Nunes se coloca contra os “exageros” de Curitiba, na mesma linha de Gilmar Mendes. Como vai ocupar a vaga de Celso de Mello, o futuro ministro deve ir para a Segunda Turma, completando o quorum para decretar a parcialidade do então juiz Sérgio Moro, e anular a condenação do ex-presidente Lula pelo triplex do Guarujá. Talvez não seja nem mesmo preciso fazer aquela manobra de colocar o ministro Dias Toffoli na Segunda Turma.