Aquela cena em que o ministro da Economia Paulo Guedes foi gentilmente retirado de uma entrevista pelo ministro-chefe da Secretaria de Governo Luiz Eduardo Ramos e pelo líder do governo Ricardo Barros revelou, por imperícia dos dois primeiros, a desavença interna entre os assessores mais próximos do presidente Bolsonaro.
Sem se preocupar com as aparências, o líder Ricardo Barros explicitou dias depois, durante a apresentação do desastrado arranjo feito para bancar o Renda Cidadã, como se desenrola o processo de decisão no governo hoje. O ministro Paulo Guedes representa a opinião da Economia, já não a do governo, perdendo formalmente a qualidade de superministro.
Barros e o ministro Ramos negociam com os partidos da base em nome do governo, levando em conta variáveis além da visão econômica. O consenso político é então levado para o presidente Bolsonaro, que bate o martelo. Foi assim que se deu a decisão sobre usar os precatórios e o Fundeb para financiar o Renda Cidadã, e a confusão foi geral.
Nem Barros, nem Bolsonaro, que abriram mão do Posto Ipiranga para assumir uma negociação que não pode ser meramente política, pois envolve o equilíbrio fiscal do país, já sob o escrutínio dos investidores, nacionais e internacionais. A desavença interna no governo foi explicitada ontem pelo secretário do Tesouro Bruno Funchal, que advertiu que a reação do mercado financeiro à proposta de rolar precatórios para financiar o Renda Cidadã é um “alerta” que deve ser considerado na discussão da medida.
Espantoso que já não tivesse sido antes. Para Funchal, a reação dos agentes econômicos em geral à “solução política apresentada” demonstra que será preciso “mostrar o que significa isso, qual é a repercussão que tem”. Uma maneira sutil, mas contundente, de dizer que a solução foi “política”, não econômica, e que a repercussão negativa precisa ser levada em conta no debate.
Já há alternativas sendo consideradas, uma delas seria redirecionar os recursos dos fundos públicos que foram extintos, cerca de R$ 220 bilhões, para o financiamento do Renda Cidadã, e não para o abatimento da dívida pública, como estava previsto. Essa solução também parece não oferecer segurança aos investidores.
Primeiro, porque vai deixar de abater a dívida pública para financiar outro tipo de dívida, de caráter permanente. O governo continuará sem ter uma renda permanente no Orçamento para custear a nova despesa, como manda a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Como todas as fontes de recursos são eventuais, a única saída do governo seria criar o Renda Cidadã por um período, e tentar renová-lo periodicamente. Seria, no entanto, uma manobra arriscada, pois é praticamente impossível extinguir um programa social desse porte.
O que o governo precisa fazer é uma reforma verdadeira na sua administração para encontrar espaço para financiar programas sociais e investimentos que gerem empregos e renda. Quando o presidente Bolsonaro teve aquele ataque, e foi para as redes sociais dizer que não queria mais ouvir sobre a Renda Brasil, proibindo que a proposta do ministro Guedes de desindexar a economia fosse discutida, perdeu o que parece ser a única saída para a falta de caixa.
O objetivo da desindexação é romper o engessamento do Orçamento de mais de 2/3 dos gastos que são obrigatórios. O debate tendo sido interditado por Bolsonaro, a busca de dinheiro para o novo programa social entra em um labirinto em que Paulo Guedes está perdido, sem o fio de Ariadne.