Chamam de soft power. Poder suave. Macio. Agindo na maciota. Água mole em pedra dura.
Como agora Caetano, no filme e na entrevista ao Bial. Mais que questionar liberalismo, ele instiga a pensar quem somos, ao resgatar a fé num Brasil criador, oriundo da miscigenação entre negros, índios e brancos pobres nos arraiais. Provoca. Não reduz sua análise ao mito da democracia racial nem ao que chamou de lado americanizado demais, que só vê estupro de senhor branco contra escravizada. Desafia a celebrar nossa mestiçagem cultural. Reafirma o alento que nossos músicos têm trazido nesta pandemia, a confirmar Pixinguinha, Noel, Cartola, Caymmi, Tom e inventar futuros com o vigor da criação, apesar dos que anunciam seu fim.
Não é verdade. Pululam exemplos na Ciência e na arte. Na Fiocruz, no Butantan, no Inpe, na Embrapa, no CNPq. Nos grafites da Zona Portuária. No humor que não se rende. No audiovisual que escancara o que muitos não querem ver. Nas redes que unem têxteis e textos, bordando letras de canções cuja morte foi decretada, mas Mônica Salmaso insiste e canta.
De morte também anunciada, romances seguem a encantar leitores. Busquemos nas livrarias que resistem. Mergulhemos nas fontes de Rosa, Graciliano, Clarice. E na nova ficção que jorra vigorosa, com “A chave de casa”, “O tribunal da quinta-feira”, “Um defeito de cor”, “Marrom e amarelo”, “O crime do Cais do Valongo”. Tantos que nem cabem aqui.
Não pedem o favor de ser lidos: impõem-se com a força do talento. São o Brasil. Apesar da justiça anestesiada, da política corrompida, da mentirada geral e da desfaçatez que campeia. E do crime organizado, cevado na impunidade disso tudo. No país que admite o inadmissível, na cidade que se arrisca a reeleger o inelegível.
É a cultura que nos mantém brasileiros. Teima em exigir uma atitude mais fraterna, uma defesa ambiental implacável diante da emergência climática, uma atenção firme na garantia da democracia. E a fé inabalável em nossos artistas e cientistas.