"Os satélites não mentem”, me disse certa vez a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Fazia referência justamente a uma alegação feita ontem pelo presidente Bolsonaro no discurso de abertura da Assembléia Geral da ONU, a de que o Brasil sofre uma “das mais brutais campanha de desinformação sobre a Amazônia”.
Ao mesmo tempo em que garante, também na tribuna da ONU, que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente historicamente, Bolsonaro coloca em dúvida os dados brasileiros sobre o desmatamento coletados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e manobra para transferir o acompanhamento das queimadas para o Exército.
Já estamos há mais de um ano com números crescentes de desmatamento na Amazônia, e o vice-presidente, Hamilton Mourão, que comanda o Conselho da Amazônia, desconfia que os dados são divulgados por algum inimigo interno do governo, para desmoralizá-lo, mesmo sendo eles públicos. Em acordo com o ministério da Defesa, houve a inclusão no orçamento de verba de R$ 145 milhões para comprar um novo satélite, para fazer o mesmo acompanhamento que é feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), cujo orçamento vem sendo desidratado.
O Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) faria o acompanhamento do desmatamento, aglutinando os dados de vários órgãos. No Inpe, uma reorganização interna leva a que se tema o esvaziamento do órgão. O que o governo parece desconhecer, ou não levar em conta, é que dados que vierem de uma reorganização desse setor estarão marcados pela desconfiança, pois o Inpe é reconhecido internacionalmente por sua qualidade técnica.
Assim como estão marcadas as palavras do presidente Bolsonaro em seu discurso na ONU, onde descreveu uma realidade paralela que é rejeitada pelos interlocutores internacionais.
Assim como o presidente fez em seu pronunciamento, a nota oficial aponta "reais preocupações protecionistas” dos que encomendaram o relatório, temendo a competição com a carne brasileira por causa das concessões feitas pela União Européia ao Mercosul. Na nota conjunta, os números são de 2004 a 2012, e mostram que o desmatamento da região nesse período caiu enquanto que a produção agrícola subiu, e o rebanho bovino cresceu em mais de 8 milhões de cabeças, chegando a 212 milhões em 2012.
De fato, o Brasil tem historicamente tido uma política ambiental condizente com a necessidade de reduzir o desmatamento, aumentando a produtividade através de inovações tecnológicas, mas o atual governo tem sido leniente com as ações ilegais na região.
Reduziu a verba para fiscalização, mudou conceitos de exportação de madeira alegando desburocratização no processo, mas, de fato, retirando do Ibama a capacidade de fiscalização, afrouxou regulamentos que protegiam as áreas indígenas, enfim, uma boiada e tanto vem sendo passada, como o ministro Ricardo Salles preconizou naquela famigerada reunião ministerial.
O aumento do desmatamento e a política de direitos humanos em relação aos povos indígenas provocaram carta de um grupo de investidores internacionais, que gere US$ 3,75 trilhões, a seis embaixadas brasileiras na Europa, além de Estados Unidos e Japão. Nela, advertiram que o que classificam de “desmantelamento” de políticas ambientais e de direitos humanos poderá levar empresas expostas a eventual desmatamento em suas operações no Brasil e cadeias de fornecedores a enfrentar dificuldade crescente para acessar os mercados internacionais.
Ontem, esses mesmos empresários criticaram a fala de Bolsonaro na ONU, afirmando que esperam medidas concretas que demonstrem uma mudança de atuação. É provável que a situação se agrave com a União Europeia se juntando aos Estados Unidos na questão ambiental com o democrata Joe Biden derrotando Trump nas próximas eleições presidenciais.
No discurso de abertura da Assembleia da ONU, o presidente Bolsonaro não falou nada que pudesse aumentar o atrito com a Europa, mas repetiu todas as falácias que já são sua marca internacional.