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Dostoiévski, saudades do Brasil e das grandes ideias

 

“A paisagem segue cada vez mais polarizada. Com a esperança de terminar rapidamente 2020, apresso-me a comemorar os 200 anos de Dostoiévski, ano que vem. Porque um clássico é sempre um divisor de águas. Um acontecimento impressionante. Incêndio e terremoto. Ou tudo, ou nada.

Assim aconteceu quando fui atropelado pelo “O idiota”, de Dostoiévski, e meu sono, e minhas vísceras, e minhas lágrimas foram convocadas de mim para mim. Tinha treze anos de idade. Não era apenas um capítulo da literatura, mas era a Literatura em sua potência extrema. A “nuvem-Dostoiévski” começou a habitar meus olhos. E mal desconfiava que minha vocação estava toda em seus romances. Que minha vida seria tocada pela chama de sua grandeza atormentada. Li todos os seus romances até completar dezoito anos. Comecei a aprender russo, mais tarde, com minha saudosa professora Zoé Stepanov. Devo-lhe parte de meus sonhos adolescentes. Guardo um punhado de versos nas fibras do meu coração. Contemplei o “Cristo de Holbein”, que comoveu Dostoiévski, e o apartamento em Florença, onde terminou “O idiota”, enquanto ele, Dostoiévski, e eu, passeávamos pelo jardim de Boboli, numa conversa que não termina. Saudades do Brasil. E das grandes ideias”.
O Globo, 09/09/2020