Mais longa vida é um dos livros mais fascinantes de Marina Colasanti. Não sei dizer ao certo se acabo de ler ou de ouvir essa pequena sinfonia de dor e harmonia, dissonância e bilinguismo, transfigurada nas modulações e células rítmicas. Como quem segue, arrebatado, o segundo movimento do concerto para piano, op. 21, de Mozart, o famoso K 467. Ou talvez devo ter lido seus poemas, como quem recebe uma carta, com selo e carimbo, escrita por um amigo fraterno, perdido em alguma parte do mundo. Em poucas palavras, varei a madrugada, insone, com essa partitura luminosa, com essa carta de fundo mozartiano.
Impressiona ver a ampla cultura literária de Marina, sua intimidade com a poesia italiana e luso-brasileira, sem fronteira ou franquia. Marina invoca um diálogo raro, um diálogo anfíbio e duplicado, nas tramas da alma, da terra e da língua. Ungaretti e Drummond, Bandeira e Montale, Camões e Cecilia, Al Berto e Quasimodo caminham de mãos dadas. Ninguém se engane: não se trata de influência, mas de confluência. A voz de Marina é clara e original, solitária e singular.
Impera neste livro a delicadeza. O princípio de Mozart, ou de Pixinguinha, não permite estridência. A dor e a morte ocupam uma circunscrição bem de#nida e apolínea. Não há excesso, entre Volpi e Modigliani, apenas o essencial. Mais longa vida guarda o mistério de um livro sem mistério. A simplicidade do que é altamente complexo. O mais no menos, a luz nas trevas, o princípio no fim. Saúdo, comovido, o livro de Marina e seu leitor. Será um encontro definitivo, sem volta, amoroso e fraterno.
Comunità Italiana, 18/08/2020