A divulgação dos dados atualizados dos militares em atuação no governo Bolsonaro, obtidos por uma ação do ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU) preocupado com o possível “desvirtuamento do papel das Forças Armadas”, uma militarização do governo que está sendo criticada, mostra uma participação muito maior do que se imaginava.
No primeiro ano, a suposta militarização se revelava pelo número de ministros oriundos da área militar no primeiro escalão do governo, além, claro, da atuação do próprio presidente, que se dedicou mais a comparecer a festas e cerimônias militares do que aos hospitais para consolar os doentes da Covid-19, hoje na casa de 2 milhões de pessoas, com mais de 75 mil mortos já contabilizados.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso já havia advertido em entrevista que uma militarização do governo poderia tirar a credibilidade das Forças Armadas, que são uma instituição do Estado e não podem ser compreendidas como parte de um governo, seja ele de que tendência for.
Ao mais que dobrar esse número a partir deste ano, o governo Bolsonaro deu partida a uma política de recrutamento militar que se revelou mais aprofundada no ministério da Saúde, justamente no período da pandemia. Há dois meses como interino, o General Pazuello aumentou para 1.249 o número de militares no campo da saúde, subindo em 94,55% a participação deles em comparação com 2016.
Essa presença está provocando muitas discussões internas, tanto no próprio governo, como entre os militares. O Exército não está satisfeito, como instituição, em ver seu nome envolvido em decisões de saúde pública que não são da sua alçada, e ao mesmo tempo sendo culpado por medidas ineficientes. A palavra de outro ministro do STF, Gilmar Mendes, sobre essa militarização do ministério da Saúde, envolvendo o Exército em um “genocídio”, referindo-se ao aumento de mortes nesses últimos dois meses de interinidade, trouxe a questão novamente ao debate.
A primeira reação dos militares, através do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, foi branda, com uma nota relacionando todas as ações das Forças Armadas para ajudar o combate à Covid-19. A palavra “genocídio”, no entanto, foi tomada em sua significação histórica, e não como uma hipérbole que tinha o objetivo de alertar para a necessidade de não dar ao Exército uma missão que não é dele.
A reclamação à Procuradoria-Geral da República não deve ter maiores consequências, inclusive porque os próprios militares, como disse o vice-presidente Hamilton Mourão, querem dar esse assunto por encerrado, “uma página virada”.
Bolsonaro tratou de jogar água na fervura, conversou com Gilmar Mendes e pediu que o General Eduardo Pazuello ligasse para ele. Mas, como de hábito, não deu o braço a torcer, afirmando que permanecem no governo tanto Eduardo Pazuello quanto Ricardo Salles, outro ministro na marca do pênalti devido aos desarranjos da política ambiental.
O caso de Ricardo Salles deve ser resolvido mais rápida e naturalmente, não porque o presidente Bolsonaro tenha se convertido ao movimento verde, mas pelo dinheiro que os investidores nacionais e estrangeiros se recusam a colocar no Brasil se continuarmos sem preservar a Amazônia e os indígenas.
Ninguém vai negociar com Salles à frente do ministério do Meio Ambiente, e por isso o vice-presidente Hamilton Mourão está assumindo a coordenação do Conselho da Amazônia. Já com Pazuello, a questão é mais delicada, porque envolve o Exército. Bolsonaro tem a visão equivocada de que é preciso um especialista em logística no ministério da Saúde, e não um médico, e por isso o mantém
A opinião de Pazuello de que a testagem não é tão importante quanto dizem, contrariamente ao que pensam os especialistas, é uma mostra dos equívocos que estamos cometendo durante a pandemia. Mas a realidade vai acabar se impondo.