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Descarbonários

 

O que o governo Bolsonaro acusava de “ecoterrorismo” acabou se concretizando. O aumento do desmatamento e a política de direitos humanos em relação aos povos indígenas provocaram carta de um grupo de investidores internacionais, que gere US$3,75 trilhões, a seis embaixadas brasileiras na Europa, além de Estados Unidos e Japão.
Nela, advertem que o que classificam de “desmantelamento” de políticas ambientais e de direitos humanos poderá levar empresas expostas a eventual desmatamento em suas operações no Brasil e cadeias de fornecedores a enfrentar dificuldade crescente para acessar os mercados internacionais.
Essa preocupação não é por desinformação, como quer o presidente Bolsonaro, mas pelo excesso de informações, pois como diz a presidente do partido Rede Sustentabilidade, Marina Silva, a mais importante líder ambientalista do país, “os satélites não mentem”.
Ela teme que a situação se agrave com a União Europeia se juntando aos Estados Unidos na questão ambiental com o democrata Joe Biden derrotando Trump nas próximas eleições presidenciais. Há poucos dias, Marina participou de um webinar organizado em parceria com a Climate Alliance, a Rainforest Foundation Norway e a Society for Threatened Peoples, com deputados do parlamento europeu Kathleen Van Brempt e Anna Cavazzini, representantes de povos indígenas e de ONGs dedicadas aos direitos humanos e ao clima, intitulado  “Como a Europa pode apoiar o Brasil na atual crise humanitária e ambiental?”
Marina fez uma ressalva: “Nem todo setor produtivo pode ser colocado na mesma vala comum”. E nem o governo brasileiro representa hoje a maioria do povo. Na webinar, ela falou sobre a necessidade de ajuda internacional ao país, e ontem me detalhou a proposta.
Pela gravidade da situação, avalia que será preciso tomar “medidas de emergência”, e como o governo não merece confiança, esta tarefa terá que ser cumprida pelo próprio setor agropecuário: certificar a produção, assumir um compromisso de moratória de queimadas, um programa de baixo carbono e rastreabilidade, tudo com marcos temporais e supervisionado por um comitê de acompanhamento da sociedade civil.
Alfredo Sirkis, que foi coordenador da campanha presidencial de Marina Silva, marca essa luta ambiental com o lançamento de um novo livro, em versões ecologicamente corretas: e-book, audiobook e impressão sob encomenda. Um dos fundadores do Partido Verde brasileiro há 35 anos, depois de ter sido vereador, secretário municipal, deputado Federal, Alfredo Sirkis hoje preside o Centro Brasil do Clima, que representa a fundação do ex-vice-presidente dos Estados Unidos e Prêmio Nobel da Paz Al Gore.
“Descarbonário” é uma bela sacada semântica que relembra seu livro de memórias guerrilheiras “Os carbonários”, lançado há 40 anos, e sua crença atual, a necessidade de descarbonizar o planeta. A narrativa se encerra na última semana de 2018, quando entregou, na qualidade de secretário executivo do Forum Brasileiro de Mudança do Clima, ao então presidente Michel Temer, o documento “Mudanças Climáticas: riscos e oportunidades para o Brasil”.
Hoje, o antigo carbonário define-se como “centro radical” e rejeita cabalmente a esquerda autoritária, leninista ou populista, e a direita reacionária ou fascistoide”. Ele, que foi vereador e deputado federal ao lado de Jair Bolsonaro, considera que, por perceber que uma parte dos ambientalistas era de esquerda, “em sua sesquipedal desinformação, passou a catalogar  a questão ambiental e climática na “caixinha” do comunismo e a se identificar com todo grupo de atividade devastadora que avalia como progresso: grilagem, garimpo ilegal, invasão de terras indígenas, poluição.”
Desenvolveu uma antipatia visceral “por uma causa cujos pioneiros, ironicamente, foram ilustres militares, como o marechal Candido Rondon, o major Francisco Archer ou o almirante  Ibsen de Gusmão.
Para Alfredo Sirkis, é besteira frequentemente repetida dizer que a mudança climática ameaça o planeta. “Quem está seriamente ameaçado é o Homo sapiens habitante do planeta”, que pode ter “como sina a de outras espécies dominantes no passado, como os dinossauros”.

O Globo, 24/06/2020