Outro dia um aluno confrontou o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto com uma frase sua: “Não é por temor do abuso que se vai proibir o uso”. Britto criticava as fake news, e o aluno considerava uma incoerência com o que defendera em 2009, quando foi o relator de um processo em que o então deputado Miro Teixeira pedia a revogação da Lei de Imprensa, da época da ditadura militar, por não se coadunar com a Constituição democrática de 1988.
Conforme escreveu naquele seu voto, “quem quer que seja pode dizer o que quer que seja”, mas, esclarece, “nesse plano de informação tida como verídica, correta”. E se responsabiliza pela consequência de suas palavras. A Constituição fala sobre liberdade de informação, mas sobre algo existente ou que já existiu, explica Ayres Britto: informação para se inteirar das coisas, ou transmiti-las; o direito de informar e ser informado, no pressuposto da factualidade, da veracidade. Sair à cata da informação por conta própria. Prospecção, investigação.
No bloco de direitos sobre a comunicação humana na Constituição, está dito que é livre a liberdade de expressão: da atividade intelectual, artística, cientifica; de comunicação. “Fake News não é nada disso. É o contrário, é desinformação. Não é categoria jurídica nem como pensamento, nem como informação”.
Para Ayres Britto, a Constituição pré-exclui a figura das fake news de qualquer bem jurídico por ela protegida: “Não é abuso da liberdade de expressão, porque o abuso pressupõe o uso válido. Eventualmente você se excede, extrapola, e prejudica a imagem de terceiros, prejudica a honra de terceiros, a vida privada. Na fake news, não há abuso, há fraude, estelionato comunicacional”.
No Código Penal, ressalta Britto, é falsidade ideológica, uma mentira intencional, um engodo. “Omitir a verdade ou dar uma declaração que se sabe falsa”. Para ele, seria educativo colocar os autores de fake news como fora da lei. “Se conceituarmos cada qual dos bens jurídicos tutelados pela Constituição, - informação, expressão, pensamento -, não há lugar para a fake news”.
Ayres Britto preocupa-se com o que chama de “falta de qualificação jurídica das fake news”, que para ele é “uma inverdade sabida, uma inverdade autodefinida, e ainda assim o sujeito propaga”. A verdade sabida é a que não precisa ser provada, é pública e notória.
O projeto que tramita no Congresso sobre fakenews foi adiado para a próxima semana, pois o Senado não encontrou consenso em vários pontos. Um dos mais em disputa é a definição justamente do que seja “desinformação”.
Outro ponto de discórdia é a obrigatoriedade de o usuário se identificar de alguma maneira, para impedir o anonimato, que é proibido pela Constituição. O uso de verbas públicas para promover qualquer ação proibida pela lei será classificado como improbidade administrativa, ponto que hoje está em debate pela denúncia do Globo de que o sistema de comunicação da presidência da Republica usou a propaganda oficial para financiar os blogs acusados de distribuição de fake news.
O ponto crucial é a responsabilização das plataformas pelas mensagens que reproduzirem. No momento, pelo marco civil, a rede social só precisa retirar a notícia denunciada como falsa quando receber uma notificação judicial. Na proposta que está sendo debatida, após exame das mais de 60 emendas, o relator dispõe que, para pedir a retirada de uma mensagem de uma rede social, o usuário tem que notifica-la juntando um comprovante de que entrou na Justiça.
Caminhamos para um avanço na contenção das fake news, sem instituir uma censura impossível e indesejada nos novos meios.