Com a seleção de quatro filmes brasileiros pelo Festival de Cannes deste ano, o sucesso internacional do nosso cinema me tira um pouco do espaço para falar mais longamente do vexame que Dias Toffoli e Alexandre de Moraes estão dando diante da nação.
Em primeiro lugar, o fato divulgado não foi uma invenção dos dois meios de informação culpabilizados. O nome de um ministro do Supremo não foi inventado, ele estava nos documentos da Lava-Jato como colaborador da Odebrecht ou coisa que o valha. Se a hipótese foi falsificada ou se for mentirosa, cabe à Justiça tomar providências. Mesmo um juiz do Supremo não tem o direito de resolver o caso por sua própria conta. O “supremo” não é ele.
A acusação de fake news não pode justificar uma intervenção de força. Aliás, é necessário que comecemos a analisar essa história de fake news de um modo menos primário. Se tudo o que perturbar o poder dos poderosos for considerado fake news, vai ficar fácil para eles praticarem todas as bandalheiras possíveis. Pois serão sempre tratadas como fake news e estamos conversados.
Assim como não acabaremos nunca com os crimes comuns somente com punição justa e necessária, as notícias falsas devem ser também motivo de educação da população digital, para que compreenda o mal que elas podem provocar. Como no caso dos crimes comuns. Muito mais eficiente, humano e democrático será educarmos nossos filhos contra a fabricação de fake news, do que esperar que elas sejam praticadas para condenarmos seus praticantes. O crime também é uma questão de educação.
Em defesa da liberdade de expressão, devemos saber que ela nunca é “abusiva”. Ou ela é absoluta, ou não é. As eventuais consequências de males provocados pela liberdade de expressão são da alçada da Justiça. É a Justiça que julga o mal provocado pela liberdade de expressão, depois de praticada sem censura prévia. Indivíduos, com ou sem toga, podem dar palpites mas não têm o direito de impedi-la.
Sempre pensei que os ministros do Supremo fossem a garantia da democracia no país, contra outras forças dispostas a acabar com ela. Não são. Infelizmente temos que estar sempre atentos a eles também.
Eu, por exemplo, me tornei leitor incondicional da revista “Crusoé” e do site “O Antagonista”. Podem vir me prender, mas não durmo sem dar uma olhada neles.
Este artigo já tinha sido enviado ao jornal, quando chegou a notícia de que o ministro Alexandre de Moraes revogara a censura em questão. Mas nosso texto segue válido, como uma observação sobre o que não pode ser feito.
Como foi anunciado essa semana pelo Festival de Cannes, o evento cinematográfico mais importante do mundo, o cinema brasileiro emplacou quatro filmes este ano.
Para a competição pela Palma de Ouro, a principal sessão do festival, Cannes selecionou “Bacurau”, o novo filme do pernambucano Kleber Mendonça, desta vez em parceria com Juliano Dornelles. Dornelles havia feito o design de produção de “Aquarius”, a obra anterior de Kleber Mendonça, também selecionada para a competição de Cannes, em 2016. “Bacurau” é um belo e originalíssimo filme, uma mistura inesperada de gêneros, filmado na fronteira do estado da Paraíba com o Rio Grande do Norte.
O outro filme brasileiro na competição é “O traidor”, dirigido por Marco Bellocchio, que conta a história da passagem pelo Brasil do mafioso Tommaso Buscetta, com Maria Fernanda Cândido no papel de sua mulher. Trata-se de uma coprodução com a Itália, em que a parte brasileira ficou sob a responsabilidade dos irmãos Caio e Fabiano Gullane, produtores sediados em São Paulo.
Além desses dois filmes na principal sessão do festival, Cannes ainda selecionou “A vida invisível de Eurídice Gusmão”, do cearense Karim Aïnouz, com Fernanda Montenegro, Carol Duarte e Julia Stockler. Além de “Port Authority”, de Danielle Lessovitz, com a atriz trans Leyna Bloom. Ambos os filmes, produzidos por Rodrigo Teixeira (produtor de “Alemão”, realizado na favela do mesmo nome) estarão na seleção de Un Certain Regard (Um certo olhar), mostra igualmente oficial, fora de competição.
E ainda há a esperança de uma quinta produção brasileira selecionada, dessa vez para a Semana da Crítica, dedicada a primeiros filmes. Veremos no decorrer desta semana.
Essa flagrante vitória internacional do cinema brasileiro chega exatamente num momento em que velhos inimigos afiam as unhas para destruí-lo. Em que um movimento, nem sempre muito claro, investe contra a participação do estado no cinema nacional. Sendo essa participação uma estratégia cultural e econômica apoiada e executada em todos os países do mundo onde existe uma produção cinematográfica. Inclusive na pátria do capitalismo liberal, os Estados Unidos.
Uma nova geração de talentosos cineastas brasileiros, jovens diretores e produtores, estão ajudando a recolocar nosso cinema no mapa internacional da atividade, enquanto por aqui se tenta acabar com ela. De que é que eles precisam mais, como prova de resultado e sucesso?