Nenhum regime ou governo, hoje instalado no mundo, tem, de modo explícito, por base, princípio ou programa, o combate à desigualdade. Em nosso mundo, a desigualdade é cada vez maior, em todas as sociedades do planeta. Nos países ricos ou pobres, em desenvolvimento ou em decadência, pseudo-socialistas ou protocapitalistas. Ninguém parece se importar com essa questão, que pode mudar o rumo da humanidade, determinar para onde acabaremos indo, no meio dessa desgraceira toda e do caos que ela provoca, de Hong Kong a Santa Cruz de La Sierra, passando por todas as bombas que explodem por aí.
No Brasil, hoje, a renda média do 1% mais rico do país é cerca de 35 vezes maior que os ganhos de metade dos mais pobres, como nos diz o IBGE. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nosso desemprego dramático provocou o empobrecimento dos que já eram pobres, recuando de 5,7% para 3,5% sua participação na renda nacional. Trabalhadores vão, cada vez mais, a pé para seu trabalho, mesmo quando é distante, ou passam o dia todo sem comer. Tudo para economizar o dinheiro destinado à educação dos filhos, que não têm nenhuma perspectiva de entrar para uma faculdade.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 40 segundos alguém se mata em algum lugar do mundo. E, em grande parte das vezes, o motivo é a depressão social. Mesmo em nações consideradas abastadas, onde a imensa desigualdade é agravada pela visibilidade comparativa do luxo alheio. Nações são comunidades imaginárias, como diz David Christian, parceiro de Bill Gates, o homem mais rico do mundo, em seu livro “Origens”. O que existe, de fato, são os seres humanos que as formam. São eles que sofrem o desgaste de uma ética de alteridade que, mesmo cínica, a humanidade se sentia obrigada a proclamar. Hoje, o desprezo pela dor do outro e a ideia de fatalidade do sofrimento alheio estão consagrados, já viraram programa de governo em muitos regimes. Alguns, até, considerados exemplos de democracia.
Em 1848, há quase dois séculos, John Stuart Mill escreveu que “o melhor Estado para a natureza humana é aquele em que ninguém é pobre, ninguém deseja ser mais rico, nem tem motivo algum para temer ser empurrado para trás pelo esforço dos que querem avançar”. Outro pensador, o economista John Maynard Keynes, mais recente e mais realista, sustentou, em 1930, que “dentro de um século, a produtividade será alta o suficiente para garantir a todos as necessidades da vida”. O prazo de cem anos ainda não se esgotou, mas os seres humanos têm desafiado essa lógica natural para obter cada vez mais, enquanto os outros nada têm. Isso não pode acabar bem.
Para nossa surpresa, leitores e espectadores de antecipações generosas, o século XXI é um tempo de vandalismo, de massacres, de insegurança, de endividamentos, de concentração de poder e riqueza, de fome em todos os continentes. O mundo já devia estar ficando melhorzinho, não é não?
Um dia, chegaremos à conclusão de que tudo que nos parecia permanente era, na verdade, efêmero. Se Deus existir, por exemplo, não precisa de nosso reconhecimento para ser o que é. Teria sido ele a nos doar a grandeza do universo, que havia nascido de um peteleco seu no vazio do mundo, que depois chamaríamos de Big Bang. Deus não deve ter se dado àquela trabalheira toda para nos fazer sofrer e assistir impávido a nosso sofrimento.
O céu, sob o qual divagamos, é uma ilusão. Nem mesmo azul ele, de fato, é. O que está sobre nossas cabeças é o universo e sua infinita grandeza; e o universo não tem céu. O nosso céu, pra valer, tem que estar mais perto, em nossos corações, na nossa compaixão pelo outro. E compaixão não é a vulgar piedade, um mal disfarçado exercício de poder. Compaixão é ser solidário na trajetória do outro, compartilhar sua paixão.
Suportar as diferenças, inevitáveis entre seres humanos, significa não deixar que elas se estendam até a mais desumana das dores.
Fábio foi um irmão mais moço. Desses que a gente vê nascer, crescer e aprender o que é importante na vida. Na dele, o mais importante sempre foi a própria vida. Não dá para dizer que Fábio foi descansar, porque era incansável. Como toda a sua família, os Barreto, na construção do cinema brasileiro moderno. Fábio já estava fazendo falta, durante os dez anos de esperança de que voltasse. Agora, então!