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Aponto meu telescópio para o Brasil e vejo um planeta devastado

 
“A insônia me devolve o mistério da noite. Ouço uma orquestra de cães uivando para um céu pontilhado de estrelas: tantas e tamanhas, que o plenilúnio ordena, como pode e distribui. O céu noturno é fonte de consolo, a olho nu ou com meu telescópio audaz. Gosto do Cão Maior e a estrela Sirius, a mais brilhante do firmamento. Gosto de Antares, rival de Marte sendo outro seu vermelho, quase tão forte e vivaz. Sigo a chuva de meteoritos durante o ano, na companhia da amiga insônia. A chuva desses dias me roubou o céu. Aponto meu telescópio para o Brasil e vejo um planeta devastado. As mortes disparam na pandemia. Perdemos o bom senso e caminhamos, a passos largos, para o imprevisível. A democracia respira com dificuldades na UTI, atacada pelo ódio e pela barbárie. Xadrez de estrelas, disse o padre Vieira. Mas o tabuleiro republicano tornou-se mais complexo e perigoso. As regras do jogo estão na Carta Magna. Ninguém se iluda: fora da democracia e do diálogo não há salvação”.
O Globo, 17/05/2020