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No país de Bolsoshenko

 

Eles se juntam por afinidade de opinião. O presidente do Brasil e o ditador da Bielorrússia são contrários às medidas de isolamento social para combater o novo coronavírus. Os dois as consideram exageradas, apesar de o mal já ter exterminado mais de 11 mil pessoas entre nós. Bolsonaro classifica a preocupação com a pandemia de “neurose” e Lukashenko, de “psicose”.

Eles não devem saber muito bem o que os termos significam, mas os empregam como xingamentos. Um debocha chamando-a de gripezinha inofensiva, o outro receita “beber vodca, frequentar sauna e dirigir caminhão”. Bolsonaro prefere dirigir jet ski no dia em que o país contabilizava 10 mil vítimas fatais da pandemia — com certeza para espairecer.

O resultado é que o Brasil tem mais casos de infectados do que todos os países da América do Sul juntos. Argentina, Colômbia e Paraguai nos servem hoje de exemplos. O mais humilhante é ter que ouvir calado o presidente argentino, Alberto Fernández, declarar a uma rádio que somos “um risco muito grande, uma ameaça”.

Não se trata da provocação de um hermano. O que ele disse foi confirmado pelo ex-economista-chefe do FMI e professor da Universidade da Califórnia, Maurice Obstfeld, que advertiu que a nossa resposta “desdenhosa à doença vai custar caro tanto em termos de vida como de renda”.

Pelo jeito, a interferência do presidente no Ministério da Saúde, que levou à demissão do ministro anterior, Luiz Henrique Mandetta, se repete de certa maneira agora e pôde ser observada pelos espectadores do “Jornal Nacional” de anteontem, quando Nelson Teich, em plena entrevista, não conseguiu esconder a surpresa e até incredulidade ao saber que era ministro de um país onde salões de beleza, barbearias e academias de ginástica passaram a ser atividades essenciais por decreto presidencial.

Restou-lhe perguntar ao repórter que lhe dera a informação: “Saiu hoje? Falou agora?

Só vendo a cara de desânimo.

O Globo, 13/05/2020