RIO — O que está em jogo entre o Ministério Público, que precisa acessar os dados do Coaf, e o ministro Toffoli que proibiu este acesso?
Está em jogo: o direito dos cidadãos a não ter seus dados financeiros expostos, versus o direito do Ministério Público de investigar fraudes financeiras.
Direito à privacidade versus direito à moralidade pública.
São incompatíveis? Qual o limite entre um e outro?
Se você deposita dinheiro vivo expressivo em sua conta ou na conta de um parente, por melhor a justificação, o banco tem de avisar ao Coaf. O dinheiro pode ter origem suspeita. Produto de organização criminosa ou fraude fiscal.
O Coaf é órgão especializado em controlar operações suspeitas. Este órgão quase todos os países têm. Nada de novo. Avalia e pode acender a luz amarela. O Coaf é sinal de alerta.
Não é órgão de perseguição. É um filtro automático e válido para todo e qualquer caso. Se o depósito não for considerado suspeito, o Coaf arquiva. Se considerado, dependendo da gravidade, o Coaf tem que alertar o Ministério Público, até mesmo o Judiciário.
Ou seja, o Coaf não tem acesso às contas correntes ou qualquer informação financeira de qualquer um. Só avalia operações suspeitas. Este é o limite que protege o direito à privacidade.
Se, no entanto, considera algum grau de suspeição, acende o sinal de alerta. Tem que tomar providências. O amarelo pode sugerir vermelho. O Estado tem que agir.
O Ministério Público tem competência para investigar. Se for o caso, denunciar. Este é o outro limite. Proteção à moralidade pública. Combate à corrupção.
Esta atuação do Ministério Público além de dever constitucional, é exigência de tratado internacional que o Brasil assinou.
Por que então esta confusão toda? Por vários motivos.
O mais óbvio é porque a decisão do ministro Toffoli envolve filho do presidente da República. Pelo menos temporariamente. Mas existem outros.
Está em curso estratégia da corrupção financeira para limitar e inutilizar o Coaf. Apagar o sinal de alerta. Seja sinal mudo e opaco. Vejam só.
Tirou-se o Coaf da jurisdição do ministro Moro. Sem que o ministro Guedes tenha pedido ou reclamado. A ilusão é que o Ministério da Economia seja mais suscetível diante dos interesses financeiros investigáveis. Pare processos em curso. Ilusão à toa, temos visto.
Mas a decisão do ministro Toffoli se soma a esta estratégia. A da Procuradora-Geral da República Raquel Dodge também. Em vez de logo defender o Ministério Público, pediu apenas esclarecimentos. Com a calma de uma conversa sem hora.
O ministro Toffoli deu decisão solitária. Não ouviu o plenário. Em período de recesso forense. Férias. Respondendo a uma reclamação, que é um recurso usado como salve-se quem puder pela defesa. Este uso abusivo ofende o devido processo legal.
Esta questão está no Supremo há alguns anos. Alegando urgência o ministro Toffoli coloca para o plenário em novembro. Não vai conseguir. Vai ter que ceder à indignação pública que provocou.
Para alguns ministros do Supremo controlar o tempo do julgamento parece mais importante do que decidir sobre a constitucionalidade do caso.
O tempo é o senhor do poder.
Sinal de alerta apagado?
Quem controla o tempo das decisões, controla a constituição e a moral?