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O papel mais difícil de Regina Duarte

 

Desde que começou sua carreira, aos 14 anos, Regina Duarte tem diante de si agora, aos 72, o papel mais difícil de sua vida. Tudo indica — escrevo de véspera — que ela vai aceitar o cargo para o qual foi convidada pelo presidente Jair Bolsonaro. Ficou de dar a resposta oficial hoje e, por via das dúvidas, os dois recorreram à velha metáfora do casamento: estão noivos.

Independentemente do desempenho, ela corre o risco de desagradar aos que torcem a seu favor e aos que torcem contra. A tarefa que terá pela frente é conciliar os dois lados, e ela, supostamente em sua missão de paz, saiu do encontro falando maravilhas do interlocutor, e já chegou ao ponto de classificá-lo como um “cara doce”. Só com muita boa vontade pode se chamar de “doce” quem se caracteriza pela incontinência verbal e é capaz de xingar a mãe do repórter que lhe faça uma pergunta incômoda.

Mas a grande questão é saber o que será feito da herança maldita do ex-secretário, que confessou ter escolhido para dirigentes de entidades culturais “profissionais conservadores para criar uma máquina de guerra cultural”. O indicado para a presidência da Funarte, por exemplo, declarou que o rock “leva ao aborto e ao satanismo”.

O escolhido para o comando da Fundação Palmares, cujo objetivo é promover a cultura negra, foi impedido de tomar posse pela Justiça. Segundo ele, a escravidão foi “benéfica para os descendentes.” Há outros casos polêmicos, como o da Casa de Rui Barbosa e da Biblioteca Nacional.

O episódio mais escandaloso, porém, foi o do já famoso vídeo em que Roberto Alvim plagiou ideias nazistas de Joseph Goebbels. Pouco antes, Bolsonaro o considerava o melhor secretário de Cultura que o país já teve.

Já o ministro e general Augusto Heleno preferiu saudar a posição da sociedade no caso: “Fantástica, e até emocionante, a reação de intelectuais, artistas, historiadores, professores, estudantes, militares e da nação como um todo, ao infeliz resgate de pensamentos nazistas”.

O desafio para Regina é convencer Bolsonaro de que os artistas não são inimigos e que a produção artística precisa existir sem “filtros”, ou seja, sem censura.

O Globo, 21/01/2020