Senhor Presidente, Marcos Vinicios Vilaça; Senhoras e Senhores Acadêmicos; Autoridades presentes; queridos Colegas e Amigos:
De Cláudio Manuel da Costa falarei em primeiro lugar. É ele o patrono da cadeira nº. 8, para a qual me elegestes, numa demonstração de confiança que me enche de um justo orgulho – orgulho de pertencer a esta Casa, da qual só agora me aproximei por uma espécie de timidez que me tolhe o impulso de tentar algo que me parece ambicioso de mais. E ides permitir que lembre aqui, neste momento solene, um fato antigo, de que é personagem central o poeta português quinhentista, Sá de Miranda, ou, como era mais freqüentemente chamado, o Dr. Francisco de Sá, irmão do nosso terceiro governador geral, Mem de Sá, e tio do fundador da nossa cidade, Estácio de Sá. O que talvez vos seja novidade é o fato do qual ele foi personagem quando, vencendo a sua timidez, decidiu, já entrado em anos, endereçar, àquela que queria para sua mulher, um pedido de casamento a que ela, surpresa, respondeu: “Senhor, por que vindes tão tarde?”
Por que lembrar este fato, num momento grato ao meu coração e à minha inteligência? Porque me pareceu ouvir uma voz coletiva, vinda em minha direção, a questionar-me: “Senhora, por que tão tarde? Por que mais tarde que qualquer um de nós outros?” E, enchendo-me de coragem, responder-vos: “Pelo mesmo motivo que levou o velho poeta a retardar o tempo da sua plena realização.”
Aceitai-me tal como sou e permiti-me dizer algumas palavras antes de voltar ao meu ilustre Patrono, escolhido pelo Fundador da minha cadeira, com refinada competência. São palavras simples, de agradecimento.
As primeiras serão endereçadas a meus pais, Emídio e Rosina, e a meus irmãos, Nilda e Adilson, que fizeram da minha vida em família uma consonância de paz e alegria, de carinho recíproco e amizade total. Poderíamos todos dizer, se não se tivessem ido à minha frente: fomos uma família feliz.
E há mais o agradecimento a meu marido que, interpelado por mim quando o casamento ficou marcado: “Acho que devemos definir o que você aceitará que eu continue a fazer daqui em diante.” me respondeu que não gostaria que eu continuasse a dar aulas no ensino secundário. Continuei: “E a Faculdade?” “A Faculdade é sua vida.” E seguimos juntos até à sua partida: nós dois, meus cursos, meus alunos do ensino superior.
A todos os Acadêmicos digo “obrigada, obrigadíssima”, pelo simpático acolhimento que me dispensaram, nesta confraria de cunho muito especial, em cujo convívio me enriquecerei, sem sombra de dúvida.
Aos funcionários da Casa, sobretudo às secretárias Maria Carmen Oliveira e Lúcia Deppe da Costa, agradeço a imensa ajuda dada pessoalmente, a mão estendida, o ouvido alerta, a resposta pronta e competente. Mas já é tempo de voltar ao meu grande Patrono.
A poesia lírica de Cláudio se compõe de cem sonetos, alguns epicédios, éclogas e epístolas, alguns romances em redondilha maior e uma série de cançonetas, dialogadas duas a duas, estrofe a estrofe, em contraponto, como num dueto em que os respectivos cantores, ou o mesmo em dois tempos diferentes, se contradizem. O par mais curioso talvez seja o primeiro, cujos poemas se intitulam: “À lira desprezo” e “À lira palinódia”. Constituído de dezoito quartetos, em nove grupos de dois, e escritos em hexassílabos, um metro ágil e gracioso, têm como locutor o poeta e como alocutária muda a lira. Porque esta não o consola, rejeita-a; arrependido, retrata-se. Na primeira edição, infelizmente não seguida pelas outras, os quartetos correm paralelos nas páginas que, no livro aberto, ficam lado a lado. Eis o primeiro grupo de dois quartetos, dispostos numa e noutra coluna:
À LIRA DESPREZO À LIRA PALINÓDIA
Que busco, infausta lira, Vem, adorada lira,
Que busco no teu canto, Inspira-me o teu canto:
Se ao mal, que cresce tanto, Só tu a impulso tanto
Alívio não me dás? Todo o prazer me dás.
A alma, que suspira, Já a alma não suspira,
Já foge de escutar-te: Pois chega a escutar-te:
Que tu também és parte De todo, ou já em parte
Do meu saudoso mal. Vai-se ausentando o mal.
Como se vê, os versos de um e outro grupo, terminam, um a um, com a mesma palavra, posta no segundo para negar o que foi dito no primeiro. Sob o disfarce de um desentendimento e uma decepção com a lira, o que neles se canta é um desengano amoroso ao qual o instrumento não pode dar remédio. Sendo a leitura feita pari passu, como insisto em repetir, não há propriamente dois tempos diversos: o da repulsa e o da reconciliação. Há, isso sim, uma oscilação entre os dois sentimentos contraditórios que assaltam o poeta e que o fazem chamar à lira infausta, e logo adorada; fugir-lhe e chegar-se a ela; considerá-la parte do seu mal e contributo para a ausência dele. Oscilação que se prolonga até aos últimos versos, engenhosamente tecidos pelo poeta num vai-vem de lançadeira, a tramar o texto poético que nos envolve, a nós. Fiz questão de chamar a atenção para este virtuosismo de Cláudio, assumindo, como fazem alguns dos que lhe estudam a poesia, a inclusão do nosso poeta entre aqueles que conservam características positivas do movimento poético anterior o barroco.
Muito haveria ainda a destacar na produção lírica de Cláudio, mas me deterei num único soneto, que considero dos mais primorosos jamais escritos em nossa língua, dirigido a uma Nise que povoa insistentemente as suas páginas:
Nise? Nise? Onde estás? Aonde espera
Achar-te uma alma, que por ti suspira,
Se, quanto a vista se dilata, e gira,
Tanto mais de encontrar-te desespera!
Ah se ao menos teu nome ouvir pudera
Entre esta aura suave, que respira!
Nise, cuido que diz; mas é mentira.
Nise, cuidei que ouvia; e tal não era.
Grutas, troncos, penhascos da espessura,
Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde,
Mostrai, mostrai-me a sua formosura.
Nem ao menos o eco me responde!
Ah como é certa a minha desventura!
Nise? Nise? onde estás? aonde? aonde?
O cenário onde se desenrola a busca - busca dolorida e vã do objeto amado - leva o leitor a revestir o sujeito lírico de vestes pastoris, sob as quais desponta uma sensibiliade em que já se prenuncia o romantismo nascente. O pastor chama por Nise nos versos extremos; em ambos pergunta onde ela está; em ambos fica sem resposta. Busca-a com a alma e com os olhos que se dilatam e giram, no esforço de ver mais e em toda parte. Pensa ouvir seu nome, sussurrado pela brisa, “mas é mentira”. Pergunta por ela à natureza e nada lhe responde. E o pastor amoroso, reconhecendo a sua desventura, volta a chamar pela amada. E continuará a chamar e a não ter resposta, pois o soneto, como uma canção redonda, sugere a possibilidade de recomeçar pelo mesmo verso com que terminou, indefinidamente.
Saldada a dívida com o meu Patrono, passo a falar do Fundador desta cadeira, o grande poeta parnasiano Alberto de Oliveira, que nela antecedeu a Oliveira Viana, a quem darei, freqüentemente, a palavra, já que este, seu incondicional admirador, em seu discurso de posse, começa por acentuar o ambiente familiar em que o poeta foi criado, uma verdadeira tribo patriarcal, unida e numerosa, mais que isso, uma espécie de pequena Academia de Letras, concluindo que aí estaria o segredo da postura desse que “poderia ter sido tudo neste país [...], entretanto, não quis ser nada disto: insulou-se na Arte e não foi outra coisa durante a sua vida senão exclusivamente o poeta Alberto de Oliveira”.
Mergulhado numa época fértil em novas escolas filosóficas, literárias, artísticas em geral, políticas, mas limitadamente permeável às suas influências, assistiu ao começo e ao fim da poesia condoreira, passou pela parnasiana, pela simbolista, viu chegar o Modernismo e o Futurismo, e continuou parnasiano, apurando as suas qualidades artísticas. Um clássico, pois, considera-o o seu sucessor em nossa cadeira.
Referindo-se às obras mais maduras de Alberto – Sonetos e Poemas, considera-o “inteiramente livre de todas as fraquezas e dubiedades da primeira fase, afirmando-se não só magnífico pelo brilho, pela precisão, pelo colorido, como admirável pela música e vernaculidade da expressão. E ainda acrescenta: “Este fascínio pela beleza do idioma é que o levou, provavelmente, quando teve de escolher patrono, a recuar ao século XVIII, à Escola Mineira – e a fixar-se em Cláudio Manuel da Costa. [...] Alberto foi um árcade e continuou a tradição de Gonzaga e de Cláudio; mas a continuou com muito mais brilho, mais inspiração, mais variedade de ritmos e motivos.”
Minha concordância quase total com as opiniões expendidas pelo historiador é aqui in totum coincidente. Como ele, eu também diria que (e cito): “O que ele amava na nossa língua, como a expressão do Classicismo, era algo mais do que a expressão da sua época: nela encontrava o que não está sujeito às contingências do tempo, porque é o que há de permanente e eterno na língua, e que é a sua essência, o seu espírito, em suma, o que chamamos o seu gênio. Na sua tersa e castiça linguagem, há a língua portuguesa em tudo o que ela tem de essencial no seu ritmo, na sua força, na sua delicadeza, na sua harmonia vocabular, na sua beleza plástica, na sua elocução pura e forte, no tesouro das suas riquezas sônicas. Nela encontramos o português na sua genuinidade clássica, entremeado do português que aqui falamos, com termos buscados à nossa fauna, à nossa flora, à nossa geografia, ao nosso folclore, alguns deles – muitos deles! – saídos da maloca tupi ou mesmo vindos da cubata africana, mas todos vernaculizados pela tradição local e popular.”
Buscando analisar as obras de Oliveira Viana, o jurista, o professor de Direito Criminal, o sociólogo, o membro de Institutos de História, Geografia e Antropologia, o ideólogo da eugenia racial no Brasil, a primeira obra sua posta à minha disposição foi, porém, a cópia do seu discurso de posse na Academia. Nenhuma das faces que acabo de citar encontrei no belo e inteligente texto em que ele fazia a análise literária da poesia de seu antecessor – análise em largas pinceladas, por vezes, e por outras, de pincel fino, sensível em extremo.
Confesso-vos que foi um encontro prazeroso: preferi logo esta face que se me revelava à outra, em que me era difícil, por exemplo, admirar-lhe a xenofobia. Este meu primeiro contato com Oliveira Viana causou-me, pois, uma grande surpresa: deu-me, em corpo inteiro, o retrato de um sensível crítico literário, capaz de “penetrar no reino das palavras”, ouvir-lhes a voz, decifrá-las, saboreá-las e, mais que tudo, compartilhar conosco, seus leitores, essas experiências auditivas, gustativas, quase tácteis, que nos chegam filtradas pela palavra sábia do que soube ler e sabe dizer o que soube entender.
Foi assim que me reaproximei de um poeta que conhecia de há muito e que muito admirava,e foi assim que descobri em Oliveira Viana um invejável leitor e analista deste mesmo imenso poeta. Foi assim que reuni, numa só apreciação, o historiador doublé de crítico literário e o poeta.
Não terminarei aqui pelas apreciações deste leitor especial, alternadas com as minhas próprias. É preciso dar-vos, a todos que me ouvis, ao menos um poema do poeta tão merecidamente louvado e o escolho dentre os sonetos do livro Sol de Verão, de 1904:
Horas Mortas
Breve momento, após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço,
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.
Desta janela aberta à luz tardia
Do luar em cheio a clarear no espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparência azul da noite fria.
Chegas. O ósculo teu me vivifica.
Mas é tão tarde! Rápido flutuas,
Tornando logo à etérea imensidade;
E na mesa a que escrevo, apenas fica
Sobre o papel – rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.
Um soneto perfeito, dirigido a uma figura feminina que chega, como um bálsamo, ao fim de um dia penoso. Figura etérea, entra pela janela, trazida pelo luar. Toda leveza, envolta em luminosidade, chega, beija o poeta e volta a perder-se na imensidade. Um rastro, porém, fica da visita. Onde? No papel em que ele escreve. É um rastro também leve, – rastro de asas que o afloraram, deixando, apenas, quase imponderável, no fecho de ouro do soneto, “Um verso, um pensamento, uma saudade.” Uma saudade! É uma revelação a presença, em lugar de honra, deste sentimento tão ligado ao Romantismo, tão ligado, que está presente no momento em que este movimento artístico surge em Portugal, com Almeida Garrett, na introdução do seu poema Camões:
Saudade! Gosto amargo de infelizes,
Misterioso pungir de acerbo espinho,
É dor que os seios d’alma dilacera,
Mas dor que tem prazeres... saüdade...
Já compareceram aqui, trazidos pela minha voz, três expressivas figuras da nossa cultura: Cláudio Manuel da Costa e Alberto de Oliveira, poetas; Oliveira Viana, leitor finíssimo de poesia.
A seguir, estará conosco o quarto convidado, Austregésilo de Athayde.
Pernambucano de Caruaru, nasceu Belarmino Maria Austregésilo Augusto de Athayde no dia 25 de setembro de 1898, tendo falecido no Rio de Janeiro, em 13 de setembro de 1993. Uma longa vida, produtiva, eficiente, rica em atividades várias, entre as quais se foi dividindo, sempre apaixonado pelo que fazia, mas mais constantemente pelo jornalismo, tendo colaborado nos mais importantes e lidos jornais de sua época – ou de suas épocas? pergunto-me, já que muitas foram as faixas etárias que percorreu a trabalhar na profissão preferida, dos vinte e poucos anos, até aos 60. Na década de 50, deixou-se atrair pela Academia à qual, desde então, passou a dedicar-se com grande interesse, tendo sido eleito presidente em 1959 e sucessivamente reeleito para dirigi-la por longos 34 anos, até ao fim de sua vida. Sua atuação nesta Casa foi extremamente produtiva. Foi nela que o jornalista, formado em direito pela antiga Universidade do Distrito Federal, colaborador dos mais importantes jornais do país, diretor-secretário d’ A Tribuna, colaborador do Correio da Manhã, diretor d’ O Jornal – órgão líder dos Diários Associados –, que viajou pelo mundo, tendo tomado parte na III Assembléia da ONU, em Paris, onde foi membro da comissão que redigiu a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em cujos debates teve papel decisivo; que, em 1952, recebeu, na Universidade de Columbia, EUA, o prêmio Maria Moors Cabot, por sua destacada atividade jornalística, este cidadão multímodo que, diplomado pela Escola Superior de Guerra, em 1953, se tornou seu conferencista e que, depois da morte de Assis Chateaubriand, passou a integrar o condomínio diretor dos Diários Associados, como presidente da ABL se revelou o administrador inteligente, capaz, sempre presente, o que justifica as suas sucessivas reeleições, e o sucesso de suas múltiplas e variadas realizações.
Publicou, a partir de 1921, uma dezena de livros – de ficção, de reflexão, de crônicas, um ensaio filosófico, alguns de assunto político. Plurifacetado, lúcido, de escrita apurada, elegante, clara, fazia plenamente jus ao título de acadêmico, recebido em honrosa eleição. Feliz a Academia que pode contá-lo entre os seus.
Conheci-o em sua casa, recebida pelo casal Jujuca-Austregésilo, em ambiente familiar, no qual seus dois netos – Felipe e Maria – nos aproximavam ainda mais, por serem também meus sobrinhos-netos, netos de meu irmão Adilson Serôa da Motta, e filhos de minha sobrinha Regina e seu filho Antonio Vicente.
De Austregésilo de Athayde passo a Antonio Callado, que lhe sucedeu e que, como seu antecessor, teve uma atividade múltipla, fixando-se, no entanto, na criação literária, em que tinha começado, nela permanecendo até ao fim da vida.
Sua estréia fora em peças teatrais, nos anos 50, quando encenou a que lhe deu o maior sucesso: Pedro Mico, dirigida por Paulo Francis, com uma cenografia assinada por Oscar Niemeyer, na única atuação desse gênero do grande arquiteto.
Antes disso, porém, formara-se em Direito, nunca tendo exercido a atividade. Ainda estudante, trabalhara como repórter e cronista n`O Globo e n’ O Correio da Manhã. Contratado, em 1941, pela BBC de Londres, dela foi redator até 1947, quando, convidado pela Enciclopédia Britânica, chefiou a seção da nova Enciclopédia Barsa, publicada em 1963. Trabalhava, em 1968, no Jornal do Brasil, que o enviou ao Vietnã em guerra. Em 1975, aposentou-se como jornalista, mas continuou a colaborar na imprensa.
No mesmo ano de 1975 foi à Universidade de Cambridge, Inglaterra, como Visiting Scholar; em 1981, à Universidade de Columbia, em Nova York, como Visiting Professor. Em 1992, tornou-se colunista d’A Folha de S. Paulo.
Paralelamente a essas funções variadas que exerceu, escreveu obras literárias, sobretudo de ficção, marcadas, quase sempre, pela ojeriza ao regime militar, o que lhe custou duas prisões em 1964 e 1968, esta última após o fechamento do Congresso com o AI-5.
Situando-se sempre entre os intelectuais que se opunham ao regime militar, tendo sido preso duas vezes, Calado revela em seus romances seu compromisso político, sobretudo no que é considerado por muitos o mais engajado das décadas de 60 e 70, Quarup.
Se voltarmos atrás mais de 20 anos, vê-lo-emos na Paris libertada, em 1944, trabalhando no serviço brasileiro da Radio-Diffusion-Française. Se a Paris voltarmos mais uma vez, em 1987, encontrá-lo-emos a participar do “Salon du Livre”, a convite do Ministério da Cultura de França. Mais algum tempo e de novo lá estará, em 1990, representando o Brasil na semana “De Gaulle en son siècle”. Recebeu várias condecorações e prêmios, no Brasil e no exterior.
Na Europa se dá conta da sua (como ele diz) “tremenda fome de Brasil”. Lê incansavelmente literatura brasileira, sentindo crescer o seu desejo de conhecer o interior do país. Datam de sua volta as grandes reportagens sobre o Nordeste, o Xingu e outras.
De toda a sua produção literária, é Quarup o livro mais famoso. Publicado em 1967 e traduzido para várias línguas, reflete o seu interesse crescente pelo Brasil interiorano que muito amava e muito estudou. Seu protagonista, Fernando (sempre chamado Nando), é um padre que aguarda a realização de um sonho utópico criar, no seio da Amazônia, um novo paraíso, tal como teriam sido as missões jesuíticas no sul do país. Sonho que não consegue realizar, acabando por abandonar o sacerdócio.
Eleito para a Academia Brasileira de Letras em sucessão de Austregésilo de Athayde, foi recebido em 12 de julho de 1994. Morreu em 28 de janeiro de 1997, dois dias antes de completar os oitenta anos, tendo permanecido apenas dois anos e meio na ABL.
Nascido em 1919 em Ubá, Minas Gerais, Antonio Olyntho Marques da Rocha é o quinto ocupante da cadeira, eleito em 1997, na sucessão de Antonio Calado. A ele sucedeu, com a responsabilidade de vir em seguida a um acadêmico com um currículo invejável.
Iniciou seus estudos no Seminário Católico de Campos, onde concluiu o curso secundário. Prosseguiu-os nos Seminários Maiores de Belo Horizonte e de São Paulo. Desistindo da carreira eclesiástica, passou a ser professor, dando, durante dez anos, aulas de Português, Latim, Francês, Inglês, História da Literatura e História da Civilização, em colégios do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que se dedicava ao jornalismo e à publicidade.
Desde então escreveu poesia e prosa, tendo publicado Presença, sua estréia poética, e Jornalismo e Literatura, adotado em cursos de jornalismo em todo o país, além dum conjunto de ensaios, o Diário de André Gide.
Começa então sua carreira de conferencista. Convidado pelo Governo da Suécia para as comemorações do cinqüentenário do Prêmio Nobel, fez conferências em Estocolmo e Upsala; a convite do Governo Americano, percorreu 36 estados, dissertando sobre cultura brasileira; nomeado Adido Cultural em Lagos, fez cerca de 120 palestras na África Ocidental. Participou de Seminários no Brasil e no exterior e em mais de 40 universidades e entidades culturais ao redor do mundo.
Grande divulgador da nossa cultura, como Diretor do Serviço de Documentação do Ministério da Viação e Obras Públicas, lançou a coleção Mauá de livros técnicos, promoveu exposições de pintura relacionada aos setores abrangidos pelo Ministério, dirigiu a revista Brasil constrói, lançou mais de 30 concursos literários, culminando com a criação do prêmio nacional Walmap.
Como Adido Cultural em Lagos, promoveu uma grande exposição de pintura sobre motivos afro-brasileiros, colaborou em revistas nigerianas e mergulhou tão fundo nos assuntos da nova África independente, que desse convívio resultaram seus três livros mais importantes, a trilogia constituída por: A Casa da Água, O Rei de Keto e Trono de Vidro.
Publicou também Brasileiros na África, resultado de pesquisa e análise sobre o regresso dos ex-escravos brasileiros ao continente africano. Este livro tem sido motivo de teses, seminários e debates.
Casou-se, em 1955, com Zora Seljan, e, a partir de então, trabalharam juntos em atividades culturais e literárias ¬– ele, como crítico literário, ela, como crítica teatral – no jornal O Globo. Em 1973, os dois criaram juntos um jornal, em Londres, e em inglês, The Brazilian Gazette.
Bem mais haveria a dizer deste notável acadêmico que se distinguiu pela sua diversificada, contínua e qualificada atuação, em numerosas áreas, sempre com igual destaque. Na Hora da Saudade a ele dedicada, o então presidente Cícero Sandroni disse que a sua ausência abriria uma lacuna na Academia, e estava plenamente certo.
Minha missão estaria cumprida neste momento, se não tivesse de realizar um desejo de, pela segunda vez, homenagear o Fundador da cadeira nº 8, contando-vos uma petite histoire que redigi para lê-la nesta ocasião.
Em março de 1926, em São Lourenço, estação de águas minerais, estávamos nós quatro mamãe e seus três filhos , por três semanas. A essa altura do ano, seria impossível a papai, capitão do exército, tirar férias para acompanhar a família. Era a véspera do regresso, à tardinha. Sentados na agradável varanda que abrangia toda a frente do hotel – uma antiga casa de fazenda, simples, mas aprazível, àquela hora banhada pela brisa do fim de tarde, reuniam-se os hóspedes para assistir à chegada dos novos companheiros de estada – um hábito e uma distração, onde poucas havia.
Os passageiros, em táxis, paravam diante da escada de poucos degraus que dava acesso à varanda, como que dividindo-a ao meio. Num dia que já não posso fixar, chegou, entre vários outros futuros hóspedes, um senhor distinto, de certa idade, com bela cabeleira toda branca e largos bigodes negros, cujas maletas foram postas pelo porteiro junto à entrada, enquanto ele ia à recepção do hotel.
Entre os hóspedes, sobretudo entre as jovens, passou um murmúrio de curiosidade: “Quem será esse senhor tão distinto?” Ato contínuo, perguntaram a uma das meninas que também ali estava, e que preferia a companhia das mais velhas para conversar, se queria dar uma olhada nos cartões das malas para satisfazer a curiosidade de todos. A garota não se fez de rogada: discretamente, olhou para um dos cartões e veio, triunfante:
“É o Alberto de Oliveira!”
Não se espantem de ouvir que uma garota de nove anos sabia a importância da sua descoberta. Ela pertencia a um grupo bastante grande de meninas de classe média que, àquele tempo, aprendiam declamação e, como em casa também o gosto pela poesia era alimentado pelos pais, não só conhecia o nome do grande poeta – “o príncipe dos poetas brasileiros” – mas sabia alguns de seus poemas de cor. Foi, pois, grande a sua emoção ao descobrir que ele ali estava, ao alcance dos seus olhos e da sua voz. Mas já era a hora da refeição vespertina. Todos foram para a sala de jantar.
De volta à varanda, agruparam-se no lado direito da escada, o mais iluminado. No outro, num solitário sofá, numa penumbra discreta, sentou-se o poeta.
Ninguém se conformou com a sua segregação e novamente apelaram para a garota: “Você se importaria de ir convidá-lo a vir para junto de nós?” “Claro que não.” Era o que ela mais queria. E lá se foi. Aproximou-se dele, que a olhou, divertido; convidou-o: “Dr. Alberto de Oliveira, vim pedir-lhe que venha para o outro lado, conversar conosco.” “Minha menina, que graça tem conversar com um velho?” “O senhor não é nenhum velho e estamos todos querendo a sua companhia.” Estendeu-lhe a mão, que ele tomou, afetuoso, e foram para o grupo que o acolheu com expressiva simpatia. Facilmente entabulou-se a conversa, que foi passando de um a outro assunto, fixando-se na poesia. Alguém disse que a menina declamava muito bem e ele, delicadamente, quis ouvi-la. Ela não se fez rogar. Apresentou-lhe uma pequena lista dos poemas que sabia de cor; ele escolheu um, pareceu gostar e pediu mais; mais outro, mais outro, ainda outro. Ela protestou: “Não é justo. Eu já disse uma porção e o senhor não disse nenhum. Agora é a sua vez.” “Eu não tenho graça. Sou um velho poeta. Você, sim, que é uma menininha...” mas, enfim, depois de muitas negaças, aquiesceu: “Você é terrível! Vou dizer um, mas não meu. Vou dizer um soneto de Olavo Bilac.” E disse um dos mais felizes sonetos do grande Parnasiano, mas que, como eu penso – não sei se com razão –, é parnasiano no significante, mas ainda romântico no significado: “Maldição”. Na voz grave e pausada do poeta, o poema ganhava relevo e transmitia com mais intensidade a maldição de um apaixonado infeliz, desesperado. Ecoaram as palmas pela sala; delicadamente as interrompeu, perguntando à garota: “Não quer dizer-nos mais um poema?” Ela não sabia mais nenhum. Ele, insistente: “Procure bem, nesse precioso escrínio da sua memória, mais um diamante precioso.” E ela, com pena, esforçando-se para lembrar: “Qual... Nem uma turmalina quebrada...”
Já eram horas de dormir. A mãe lhe lembrou que voltariam a São Paulo no dia seguinte. O poeta teve pena de interromper tão rapidamente o convívio que apenas tinha começado. Também ele iria a S. Paulo nos próximos dias e se hospedaria no hotel Esplanada. Convidou-a a ir visitá-lo. “Se a mamãe me levar...” A mamãe disse que sim. Combinado. Deram-lhe o telefone de casa. Ela lhe disse ainda que tinha um livro de lembranças dos amigos, que ganhara como prêmio no Colégio. Gostaria de ter algo escrito por ele. “Mande levá-lo ao hotel e prometo escrever-lhe uns versinhos. Depois você irá visitar-me e eu lho entregarei de volta.”
Assim foi. E até hoje a menina daquele tempo guarda, como relíquia, o caderno no qual Alberto de Oliveira escreveu esta pequena jóia de afeto e simplicidade, oferecida numa data que marcará, 84 anos depois, um acontecimento decisivo na vida da menina:
À Cleonice
Pouco te importe o meu nome.
Não vale nada.
E nada que é, se consome
E apaga. Aqui
Vale apenas, enlevada,
A alma que deixo ajoelhada
E a Deus, lembrando o teu nome,
Reza por ti
Alberto de Oliveira
S. Paulo, 16 de Março de 1926
A menina ficou encantada e encantada continua quando lembra os dois breves encontros com o Poeta. E nem podia prever, àquele tempo, que, mais de oitenta anos depois, se sentaria numa cadeira nº 8, de que ele era o Fundador e que poderia chamá-lo, com imenso carinho: “Meu caríssimo confrade.”
5 de abril de 2010