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Chega de sofrença

 

De repente, passei a receber cumprimentos por um texto que escrevi há 15 anos. Pessoas conhecidas e desconhecidas, do Rio, de São Paulo, Belo Horizonte, Londrina, Porto Alegre, se referiam a uma crônica publicada no dia 20 de julho de 2004 sobre as irmãs Mily, de 86 anos; Guilhermina (84), Maria Elisa (76) e Maria Helena (73), mais a cunhada Ítala (87), a prima Icléa (90) e a amiga de mais de meio século, Jacy (78).

Eu dizia que quando precisava tomar uma injeção de ânimo, ia até a casa de Itaipava, onde elas passavam os fins de semana cuidando das plantas, lendo, jogando baralho, fazendo tricô, discutindo política e, sobretudo, se divertindo. Só não falavam e não deixavam falar de doença e infelicidade. Baixaria, nem pensar. O astral e a energia da “Casa da sete velhinhas” eram únicos.

Elas me davam a maior força. Quando fazia alguma palestra no Rio, ocupavam a primeira fila. Numa dessas ocasiões, com a casa cheia, elas chegaram atrasadas e fizeram rir o porteiro ao reclamarem a sério da falta de lugar: “Nós somos as meninas do Zuenir”.

Eu terminava a crônica assim: “Para explicar como se desvencilhou do vazio de deixar um emprego de 53 anos e começar nova vida já velha, Guilhermina usou uma frase que se aplica a todas as outras seis e que eu gostaria de adotar também: Tenho preguiça de sofrer. Não são o máximo as meninas do Zuenir?”

Acho que descobri a razão da atualidade do tema ao ler uma declaração da cantora Marília Mendonça, a “rainha da sofrença”, confessando que estava se distanciando da imagem de mulher sofredora que construiu como ícone desse movimento de música sertaneja que se transformou em incrível fenômeno de popularidade.

Também ouvi Luan Santana, campeão de vendas de disco, apelando: “Hoje só quero que me tire dessa sofrença”. E, feliz, na véspera de se casar, fez uma profissão de fé: “Ficar na sofrença não está com nada”.

Quer dizer: eles também estão com preguiça de sofrer, ou, melhor, de cantar o sofrimento.

O Globo, 18/09/2019