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Curto-circuito

 

Não parece complicado. Coaf era para controlar atividades financeiras. Identificar operações atípicas e dar alarme. A Receita confere e cruza informações. Cada vez que um de nós se equivoca ou confunde dados na declaração de renda, recebe uma notificação e tem de provar com documentos o que informou. Nada de mais.

É bom que funcione assim, e todos os contribuintes sejam tratados de igual maneira. São mecanismos de controle. De compartilhamento de informações, inclusive com autoridades estrangeiras. Não de investigação. Quem investiga são outros canais. Mas estes, por vezes, só sabem que devem investigar ao receber sinais de alerta. Sem saber que há razões para isso, não pedem licença antes. Não adivinham.

Quando o STF obriga a sustar esse processo, ou políticos se alarmam porque houve sinais de alerta e as investigações começaram sem pedir licença, há uma mistura de canais. Um curto-circuito. É da mais elementar lógica: um órgão que existe para controlar tem de dar o alarme se algo parece estranho. E órgãos que existem para investigar então passam a investigar.

O que não se pode admitir, jamais, é que essas informações se tornem públicas antes da comprovação de que realmente houve má-fé ou delito. Isso é que é errado. Mas nunca vemos punição por vazamento de informação sigilosa, seja verdadeira ou falsa.

Aí ocorre outro curto-circuito. Fomos anestesiados pela distorção que recobre o delito do vazador sob o manto da proteção à fonte jornalística, assegurada pela Constituição. Esquecemos que há dados sigilosos. Vazá-los é crime. Apenas se a informação for falsa o jornalista passa a ser cúmplice ao divulgá-la — sob punição prevista em lei. Por isso, o bom profissional trata de investigar por conta própria. Mas quem vazou precisa ser punido logo, antes que o mal se espalhe.

O livre fluxo da energia democrática, essencial ao funcionamento das instituições, não pode ser confundido com curto-circuitos. Sobretudo quando se aproxima de poderosos, filhos e esposas.

O Globo, 02/09/2019