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Falta de inteligência

 

O alinhamento total de nossa política externa com os Estados Unidos do governo Trump já está rendendo consequências negativas para o Estado brasileiro. Depois de diversas polêmicas provocadas pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a Alemanha começou a retirada de seu apoio a ações de proteção da região amazônica.

Salles começou querendo assumir a gestão do Fundo Amazônia, mudando as diretrizes que os doadores consideravam ajustadas ao objetivo do projeto. Durante a renegociação, com a negativa dos dois países europeus de aceitarem os novos critérios do governo brasileiro, Salles chegou a acusar a exploração do petróleo na região ártica pela Noruega de provocar danos ambientais.

A Noruega reagiu, afirmando que sua atividade petrolífera no Ártico é a mais limpa possível, obedecendo às normas de preservação da natureza. A irritação do governo brasileiro com o que considera “intromissão” de países europeus nos negócios internos foi revelada em diversas ocasiões, de maneira pouco diplomática.

O próprio presidente Bolsonaro recentemente fez ironia com os encontros que já teve com o presidente da França Emanuel Mácron e a primeira-ministra da Alemanha Angela Merkel: “Vocês imaginam como eu gostei de conversar com os dois”, disse a jornalistas.

O vice-presidente Hamilton Mourão pegou carona na zombaria e comentou os acessos de calafrio que a chanceler alemã andou tendo em público. Para ele, Merkel tremeu depois de uma “encarada” de Trump, a quem chamou de “nosso presidente”.

O descontentamento do presidente Bolsonaro com as atitudes da França em relação à nossa política ambiental foi de demonstrado de maneira grosseira no cancelamento de uma audiência que teria com o ministro das Relações Exteriores da França, Jean Yves Lê Drian.

Bolsonaro soube pela imprensa que ele se reunira um dia antes com representantes de ONGs e ambientalistas, e considerou uma desfeita. Em entrevista ao jornal Tagesspiegel, a ministra do Meio Ambiente da Alemanha, Svenja Schulze, informou neste fim de semana que o país vai suspender o financiamento de projetos para a proteção da Amazônia, financiados pelo fundo internacional que já existe há três anos e já investiu cerca de R$ 3 bilhões em diversos projetos de preservação.

A decisão do governo, segundo a ministra, foi tomada porque “a política do governo brasileiro na região amazônica deixa dúvidas se ainda se persegue uma redução consequente das taxas de desmatamento”. Num primeiro momento serão suspensos projetos no valor de 35 milhões de euros.

Também o governo francês tem tem dúvidas sobre o compromisso do novo governo brasileiro de manter uma politica de preservação ambiental, por isso já declarou que só assinará o acordo da União Européia com o Mercosul se o Brasil se comprometer com uma política ambiental sustentável.

O fato é que, para o novo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, a Europa representa a decadência do Ocidente, enquanto os Estados Unidos e o deus de Trump são a salvação. Assim como nos governo petistas, a política Sul-Sul desvalorizava os postos nos Estados Unidos, e apontava os países da América Latina e África como o futuro da nossa diplomacia, agora vai-se para o extremo oposto.

Os EUA constituem agora um departamento exclusivo, mas a Europa encontra-se relegada à vala comum da África e do Oriente Médio, já que ela seria um “vazio cultural”. É o que aponta o diplomata Paulo Roberto Almeida, exonerado, no início do ano do cargo de diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (IPRI) do Itamaraty. Punido por ter publicado em seu blog pessoal textos críticos à nova política externa brasileira, seus e de outros, como o diplomata Rubens Ricupero e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

No livro recém-lançado “A destruição da inteligência no Itamaraty”, Paulo Roberto Almeida pergunta: (...) onde está a política externa do Brasil? Nos ridículos destemperos olavistas contra o globalismo? Na luta contra o marxismo cultural? Numa aliança com todos os regimes direitistas e xenófobos da Europa e com Trump?

Na denúncia do Pacto Global das Migrações, quando o Brasil justamente possui dez ou vinte vezes mais emigrantes do que imigrantes e esse instrumento não afeta em nada nossa soberania?”

O Globo, 11/08/2019