A propósito da entrega, pela Faculdade Zumbi dos Palmares, da foto de Machado de Assis negro, “o Machado real”, ao presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Marco Lucchesi, que foi tema de reportagem do “The New York Times” e de diversos jornais na América Latina, travou-se, em reunião plenária recente, uma bela discussão sobre a presença do negro na ABL.
Lucchesi ressaltou o “gesto simbólico” de que estava revestido aquele acontecimento, lembrando a distribuição de livros pela ABL nos quilombos, nos presídios, e do trabalho que faz junto aos movimentos negros, pela necessidade de ter um observatório dos negros nas prisões, “porque 70% são jovens, negros e de periferia”.
Uma ação social “que não é de política, não é de partido, mas de compreensão profunda de cidadania brasileira”. A escritora Nélida Piñon destacou que ter Machado de Assis ao lado em termos raciais e étnicos “dá, certamente, um ânimo e um alento a uma juventude negra abandonada, desprovida da educação”.
O historiador José Murilo de Carvalho, falando como diretor do Arquivo Múcio Leão, disse que essa questão em algum momento deve chegar ao Arquivo, que detém muitas fotos de Machado de Assis. A foto entregue à ABL do que seria “o Machado real” será incorporada ao acervo, mas disse que não se pode alterar as fotos que estão no Arquivo, “pois seria falsificar um documento”.
O ex-presidente da ABL Domício Proença Filho lembrou que, ao ser eleito, respondeu a um repórter que na ABL ele não é “um negro escritor e sim um escritor negro”.
Para uma repórter mais incisiva, que questionava se ele seria a voz da etnia na Academia, respondeu que não, “por não ser representante e sim representativo”. E desejou que se amplie essa representatividade com alguma urgência.
O historiador Alberto da Costa e Silva, Prêmio Camões de Literatura, citou alguns grandes negros do alto mundo da cultura brasileira membros da Academia Brasileira de Letras, como Evaristo de Moraes Filho, Octavio Mangabeira e José do Patrocínio, entre outros. Para Alberto da Costa e Silva, a história subterrânea do mestiço no Brasil precisa ser escrita com seriedade, sem viés político.
O poeta e crítico literário Antonio Carlos Secchin comentou também que não foi em função da cor da pele que o poeta Cruz e Sousa não entrou na ABL, mas pelo jogo do poder político em que o predomínio, na Capital Federal, era o Parnasianismo, enquanto o Simbolismo era apenas um movimento de província, com grandes difi- culdades de penetração e de inserção na mídia carioca.
Não foi apenas Cruz e Sousa quem deixou de ser convidado, mas todos os grandes poetas simbolistas da primeira geração, em especial o quase contemporâneo Alphonsus de Guimaraens. Apenas a chamada segunda leva simbolista é que en- trou na Casa depois, com Álvaro Moreyra, Félix Pacheco, Rodrigo Octavio Filho e Antônio Austregésilo.
O jornalista e escritor Cícero Sandroni citou o exemplo do seu sogro, o também jornalista e grande presidente da ABL Austregésilo de Athayde, descendente direto de índio. Lembrou que Assis Chateaubriand só o tratava de caboclo, e Darcy Ribeiro o chamava de cacique. Lembrou ainda que entre os fundadores da ABL estava o jornalista José do Patrocínio, e que, em 1919, assumiu outro negro, Dom Silvério Gomes Pimenta, o primeiro religioso a tornar-se acadêmico.
A escritora Ana Maria Machado relatou um episódio ocorrido durante a Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, quando um repórter estranhou que não tivéssemos representantes negros entre os brasileiros que lá estavam. Naquele exato momen- to, passavam Paulo Lins e João Ubaldo Ribeiro, este membro da ABL. Ana Maria perguntou ao repórter: “E eles, o que são? E eu, o que sou?”.
Lembrei que a Academia se preocupa com a representatividade, não apenas dos negros, mas das mulheres e das regiões do país. Nélida Piñon sintetizou o debate lembrando que, antes mesmo de se discutir a quantidade de negros que poderão vir a estar na ABL, é preciso indagar quantos negros convivem em sua casa como convidados, “pois esta é a grande pergunta que se faz necessária”.