O meu afeto e admiração por Tarcísio Padilha não conhecem limites. Fiquei fascinado quando me deparei, já se vão muitos anos, com a tese original que dedicou a Louis Lavelle.
O rigor e a profundidade sistêmica de Padilha sobre o filósofo da Presença total seguem indeléveis no meu percurso. Ainda não o conhecia pessoalmente, mas tinha a impressão de que nossa amizade, àquela altura, já se tornara um imperativo categórico.
Sentia uma adesão agostiniana em suas entrelinhas, em contraponto ao rigor tomista, como quem se despede do De anima e abraça o Timeu.
Eis o Tarcísio que eu imaginava e intuía. Mais para as Confissões que para a Cidade de Deus. O sentimento-ideia em vez das ideias-número.
Penso na escola de Atenas de Rafael: e me dou conta de que Tarcísio dirigiria a palavra às duas dezenas de pensadores da obra rafaelesca, nas harmonias de um azul irreversível.
Conheci Tarcísio numa longínqua e improvável mesa-redonda no século passado. E não errava quanto havia intuído. Não houve tampouco solução de continuidade entre o real e o virtual. Era o mesmo Padilha. Suas páginas traduzem o espelho fiel de sua juventude, que jamais o abandona, a fleuma conceitual, que não perde o entusiasmo e a pronta adesão, frontal, inalterada, para o diálogo.
Padilha faz pensar em Lévinas, na ideia do rosto e da hospitalidade, na fidalguia e no sentimento do mundo que o caracterizam.
Trata-se de filósofo de raras virtudes, cuja ética e estética não são inimigas, mas aliadas, num processo de alta significação e sensibilidade. Não surpreende que Jean-Luc Marion e Tarcísio, além de amigos, vibrem no mesmo diapasão, no viés metafísico partilhado, entre o ídolo e a distância, no espólio inesgotável das famílias neoplatônicas.
Donde essa abertura, essa escuta diante das formas transitórias e plurais. Como quem diz: ex pluribus unum.
Difícil não lembrar, em suas crônicas, o filósofo romeno Alexandru Dragomir, atento às formas plurais e transitórias, com alto nível de penetração, em Banalidades metafísicas (Crase banalităţi metafizice). Ninguém se iluda com o título: a obra mergulha no mundo complexo das coisas que nos cercam, sem jamais pactuar com o trivial.
O olhar de Padilha é uma parabólica: nada escapa à sua sensibilidade poética e filosófica. E não há negar a unidade secreta que reúne uma coleção aparente de disjecta membra. Subjaz um fio de ouro que irmana ensaios e crônicas, um rumor de fundo, uma ordem que imprime ritmo e harmonia à partitura.
Talvez uma das formas expressivas para começar a caminhada pela obra de Padilha, resumida em alguns pontos de inflexão, assim como os escritos corsários de Pasolini ajudam a compreendê-lo, ou como as Cartas a Spinoza levam ao coração de Nise da Silveira.
O filósofo e o poeta andam juntos, com leveza e gravidade, férrea e dúctil a sua escuta, intensa e aberta.
Uma parte de nosso mundo vibra neste pentagrama cercado de Leitmotive.
Em guarda, amigo leitor.