Não há projeto político maduro de governo, mas uma incontinência verbal de Bolsonaro que, não raras vezes, é incongruente. Como zagueiro que dá caneladas, na metáfora futebolística a seu gosto, às vezes Bolsonaro se arrepende, mas não perde a viagem. Fala o que lhe passa na cabeça, sem filtros, e, pior, escreve no twitter o que pensa, ampliando um ambiente de insegurança política.
A gravidade de suas palavras, como a de todo presidente da República, parece ser desconhecida por ele. Ou, como já disse o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), faz tudo de modo pensado, como uma estratégia política. Nesse caso, seria mais grave do que simplesmente dizer besteiras.
Besteiras, a ex-presidente Dilma Rousseff também dizia. O perigo é executar as besteiras, como ela fez e perdeu o cargo. De tantas besteiras, a mais grave foi dita no sábado à noite em Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul.
Durante evento em memória ao marechal Emilio Mallet, o patrono da Artilharia, Bolsonaro voltou a defender a ditadura militar, mas, desta vez, foi mais longe, e ligou a atuação dos militares na ocasião ao armamento dos cidadãos que propõe hoje.
Para defender a ampliação das licenças para porte de arma, que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) vetou, Bolsonaro disse: “(...) Além das Forças Armadas, defendo o armamento individual para nosso povo, para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o poder de forma absoluta”.
São frases claramente ameaçadoras da democracia e, ditas pelo presidente da República, mais graves do que, por exemplo, a do presidente da CUT falar em “pegar em armas” para defender Dilma dentro do Palácio do Planalto.
Embora a então presidente não tenha desautorizado o líder sindical, as palavras não saíram de sua boca. Mais grave até que a frase de Lula, que falou na sede da Associação Brasileira de Imprensa em 2017: “Também sabemos brigar. Sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele nas ruas”.
Lula já era ex-presidente, embora seu partido estivesse no poder e ele fosse, inegavelmente, seu líder maior.
Além da gravidade em si, a fala de Bolsonaro é incongruente, pois ele defende o governo militar fruto de um golpe para dizer que quer armar o povo para impedir golpes.
Quem quer impedir pelas armas que um governante qualquer tenha a tentação de dar um golpe, pode também ceder à tentação de dar um autogolpe, em nome da maioria armada da população.
É conclamar a uma guerra civil, pois nem todos os cidadãos armados serão a favor de um governo Bolsonaro sem as peias institucionais que tanto o desagradam. A ponto de ele, nesse mesmo discurso, falar que precisa mais do povo a seu lado do que do Parlamento.
A disputa constante entre Parlamento e governo, aliás, vai continuar – eles estão em confronto, e nenhuma das partes dá sinais de querer trégua.
O ministro Paulo Guedes criticou muito o Congresso que, por sua vez, assume cada vez mais o protagonismo político, tentando limitar os poderes do Executivo.
Bolsonaro insiste em desmoralizar o Congresso, e o ministro da Economia afirma que deputados sucumbiram ao lobby dos servidores públicos. Mas Rodrigo Maia está conseguindo convencer os deputados que aprovar a reforma da Previdência é bom para a imagem da Câmara, e para tirar de Bolsonaro e Guedes a primazia dela.
Esclarecimento
Recebi do presidente da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Marcio Barandier o seguinte esclarecimento a respeito de comentário meu na coluna intitulada Juiz das Garantias: “O IAB se posicionou contrariamente ao uso da denominação “juiz de garantias” em lei. Primeiro, porque se trata de um pleonasmo, afinal, todo e qualquer juiz tem necessariamente o compromisso de zelar pelas garantias constitucionais e processuais; segundo, porque o PLS continha perigosa ambiguidade sobre o tema, na sua exposição de motivos, ao dizer que o objetivo seria tutelar as liberdades individuais e, ao mesmo tempo, fortalecer as funções de investigação, o que configuraria, neste último caso, um desvio de função, na medida em que juiz não investiga. No entanto, o IAB posicionou-se sim pela separação entre o juiz que pratica determinados atos decisórios durante a fase investigatória e o juiz que atua na fase judicial (ação penal).