A discussão pública do ministro da Economia, Paulo Guedes, com o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia a respeito da reforma da Previdência é mais um reflexo do protagonismo do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) no atual momento político do país.
Nos últimos dias, o governo Bolsonaro colheu diversas derrotas nas instituições que limitam os poderes do presidente. Saímos de um regime próximo do hiperpresidencialismo nos tempos de Lula para um parlamentarismo branco no governo Temer, que ganhou caráter de oposição na era Bolsonaro.
O presidencialismo de coalizão que se deteriorou com escândalos do mensalão e do petrolão já não tem mais espaço, e o que representava a imposição de um sistema rígido de negociação por parte do presidente da República transformou-se em autonomia congressual.
Como Bolsonaro começou o governo jogando a culpa da decadência do país na “velha política” do Congresso, criticando o “toma-lá-dá-cá”, os deputados e senadores reagiram, assumindo uma pauta própria, tentando reduzir os poderes presidenciais e se colocarem como protagonistas.
Já aprovaram as emendas impositivas das bancadas, o que lhes dá o controle do Orçamento, e se preparam para limitar a edição de medidas provisórias. O presidente da República, que hoje pode editar MPs sem limitação, passaria a só poder editá-las cinco vezes por ano.
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado também reprovou o decreto do presidente sobre ampliação do porte de armas. Também no Supremo Bolsonaro sofreu sérias derrotas: o decreto que extinguiu os diversos conselhos setoriais do governo foi rejeitado pelo plenário, que definiu que a extinção teria que passar pelo Congresso.
Outra decisão que indiretamente atinge o presidente foi a criminalização da homofobia pelo STF. Bolsonaro disse que foi “equivocada”, e voltou a falar em nomear um ministro evangélico, que pediria vista e “sentaria em cima do processo” para impedir sua aprovação.
Na esteira do empoderamento do Congresso, a reforma da Previdência foi modificada na Comissão Especial da Câmara, o que provocou críticas do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Para ele, a retirada da capitalização do texto original, e mudanças nas regras de transição de funcionários públicos mostram que deputados sucumbiram ao lobby das corporações e abortaram a Nova Previdência, demonstrando “falta de compromisso” com as futuras gerações.
Como a reforma, na versão apresentada pelo relator, garante uma economia muito similar à pretendida pelo governo – cerca de R$ 850 bilhões -, o que parece ter irritado Guedes foi a desistência de debater a capitalização.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, lamentou que “meu amigo Paulo Guedes” tenha sido injusto com a Câmara, unindo-se à “verdadeira usina de crises” que é o governo Bolsonaro.
A usina, por sinal, está trabalhando em marcha lenta, e o próprio Bolsonaro explicou ontem que está segurando o “ímpeto” de seu filho Carlos, que anda sumido das redes sociais.
Tudo indica que o conselho do pai ajudou o filho a conseguir a demissão do General Santos Cruz, ministro chefe da Secretaria de Governo
Em vez de demitir o ministro no calor das discussões com o guru dos Bolsonaro, Olavo de Carvalho, o presidente deu um tempo e consumou a decisão, que já estava tomada há tempos.
O silêncio de Carlos e Olavo, tudo indica, deu lugar a um trabalho de bastidores, que pode ser muito mais eficiente para eles, e prejudicial ao país.
Para Rodrigo Maia, se dependesse da articulação política do governo, “teríamos 50 votos e não os 350 que esperamos”. Maia disse que é “responsabilidade da Câmara” aprovar a reforma da Previdência ainda neste semestre, e comemorou o fato de, “pela primeira vez” a Câmara ser construtora “das soluções para o Brasil”.
A greve e as manifestações de ontem nas ruas pelo país são muito mais de sindicatos, e não devem causar impacto na tramitação da reforma da Previdência.
O país não parou; houve uma greve espalhada, de algumas categorias. Os sindicatos têm capacidade de mobilização muito organizada, mas não refletem a maioria da população, e sim setores específicos, corporações que sempre tiveram lobby muito forte no Congresso, e por isso são privilegiados e têm vantagens na Previdência.