A relação do presidente Jair Bolsonaro com seus assessores militares, além da amizade com a maioria, e do respeito à hierarquia inerente à corporação – o presidente da República é o Comandante em Chefe das Forças Armadas – tem um ingrediente especial: o respeito pela sua vivência na vida partidária dentro do Congresso.
Quando algum assunto relativo à política está sendo tratado, Bolsonaro é direto com quaisquer de seus interlocutores militares e civis não políticos: “Quem entende de política aqui sou eu”.
Os militares são os mais impressionados com essa habilidade, pois, ao entrarem no ministério, entraram também em um mundo político que desconhecem.
Ao dizer que as manifestações de domingo foram “maiores do que se esperava”, o General Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), estava refletindo essa admiração pela atuação de Bolsonaro na arena política.
Para muitos que estão de fora, o presidente tem feito trapalhadas seguidas, sendo obrigado a se retratar e a voltar atrás frequentemente. Esses já são a maioria, segundo as pesquisas.
Os militares, no entanto, estão convencidos de que tudo não passa de uma estratégia muito bem montada por Bolsonaro. A força das manifestações de domingo demonstraria o acerto do comportamento errático do presidente.
Um dia replicou em seu twitter convocação para as passeatas, quando elas ainda eram focadas em atacar o Congresso e o Supremo, defendendo até mesmo o fechamento das instituições simbólicas da democracia. No outro, orientou seus ministros e assessores a não irem às manifestações. E desautorizou usarem seu nome em reivindicações não democráticas.
A tática do morde e assopra, como agora, que se desculpou por ter chamado os estudantes que “idiotas inúteis”, seria uma maneira de manobrar entre os obstáculos políticos para chegar a um objetivo, no caso, a aprovação da reforma da Previdência.
Da mesma maneira, as freqüentes gafes que comete, como se reunir com ministros usando uma camisa do Palmeiras, ou servir pão com leite Moça para o assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos John Bolton fariam parte de um jogo de cena para manter sua imagem popular.
Parecido com Jânio Quadros (olha ele aí novamente), que comia sanduíche de mortadela em público, ou espalhava caspa no terno. Collor também usou esse estratagema.
No domingo, Bolsonaro conseguiu o que os dois tentaram em vão. Jânio renunciou pensando que o povo o levaria de volta ao governo. Collor pediu para saírem de verde e amarelo, e todos saíram de preto. Bolsonaro conseguiu uma vitória parcial.
As manifestações não foram desprezíveis, como ressaltou o General Heleno, mas não foram suficientes para levá-lo a ter poderes acima do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), que continuarão, como a imprensa, a fazer o papel de contraponto ao poder do Executivo.
Haveria outros objetivos, de maior profundidade, como a tentativa de impedir a política de troca de favores com os parlamentares, e fazer o enfrentamento das corporações que dominam o espaço público a seu favor. Logo ele, representante do “baixo clero” que passou 28 anos na Câmara defendendo corporações militares e assemelhadas, e convivendo com a “velha política” sem denunciá-la.
Apesar de ser uma figura tosca, verborrágica, contraditória, Bolsonaro estaria sendo útil ao país ao emparedar e pressionar a classe política. Deixando o poder e seus beneficiários expostos
Esse comentário interessante, que recebi de um leitor, resume a opinião de vários outros. O resultado prático pode ser esse, mas, no entanto não é confirmado, pelo menos integralmente, pela prática presidencial.
A partir da escolha de ministros por critérios ideológicos, e não técnicos. E de decisões que levam em conta esses interesses ideológicos, como no caso do meio-ambiente, contra posições já sedimentadas nas maiores democracias ocidentais. Ou no caso da liberação de armas.
O combate à corrupção é contraditório, quando um filho senador está envolvido em diversas denúncias, que transbordam para o próprio Bolsonaro. Ou quando o ministro do Turismo, acusado de ter usado “laranjas” para desviar recursos da campanha eleitoral, é claramente protegido pelo presidente.
Os embates com os poderes constituídos da República, que limitam suas ações, seriam mais a demonstração da incapacidade de Bolsonaro de agir dentro dos parâmetros constitucionais do que intenção de moralizar o país. As ruas, no entanto, não lhe deram essa prerrogativa.