A relação do presidente Jair Bolsonaro com os militares, corporação da qual saiu para a política e à qual dedicou prioritariamente seu trabalho parlamentar por 27 anos, tem sido conflituosa devido à intromissão dos que, no núcleo duro do bolsonarismo, vêem no grupo que está no governo o desejo de tutelar o presidente.
O filósofo online Olavo de Carvalho, orientador intelectual dos Bolsonaro, identificou no vice-presidente Hamilton Mourão um elemento desagregador no governo, e passou a atacá-lo, na suposição de que se oferece como alternativa a Bolsonaro.
Em seguida, o ministro Santos Cruz passou a ser o alvo, numa disputa pessoal com Olavo de Carvalho que teve até a clonagem de supostas mensagens de whattsapp em que o general criticava duramente o presidente. Estava em jogo o controle do sistema de comunicação do governo.
A veracidade dos diálogos foi negada por Santos Cruz, que provou ao presidente que é muito fácil montar diálogos fakes no celular. O general teve a ajuda de um filho que trabalha na área de tecnologia em uma empresa israelense de segurança.
São cerca de cem militares nos diversos ministérios e estatais, sendo que oito, além do presidente e do vice, estão no primeiro escalão do governo. Esse grupo, não por acaso, trabalha junto há anos, tendo a maioria feito parte de missões de paz da ONU.
Bolsonaro, que saiu do Exército como capitão, foi punido por questões disciplinares, já então assumindo a posição de porta-voz da corporação nas reivindicações salariais. Na campanha presidencial, quando já havia se tornado o candidato dos militares contra o PT, foi tido, simpaticamente diga-se, como “incontrolável” pelo General Villas Boas, comandante do Exército à época, e hoje assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado pelo General Augusto Heleno, tido como o mais influente assessor junto ao presidente.
O professor da Professor da EBAPE da FGV do Rio, cientista político Octavio Amorim Neto, acaba de publicar um trabalho intitulado “Cenários para as Relações Bolsonaro-Militares”, onde esboça cenários para essas relações, depois de elas haverem "trincado" com os insultos dirigidos pelo bolsonarismo radical aos generais que trabalham no Palácio do Planalto.
Jair Bolsonaro não se solidarizou com os generais que servem à sua gestão, ressalta Octavio Amorim Neto, lembrando que “um dos seus auxiliares da caserna deixado claro que não afundarão com o governo”. O cientista político considera que “se o atual governo se tornar mais ou menos normal de centro-direita, os militares deverão ir gradativamente saindo da administração para dar lugar a políticos do Centrão”.
Octavio Amorim Neto acha que “escaldados pelas intrigas do bolsonarismo radical, e temerosos dos custos inerentes ao exercício do poder, os militares dariam sua missão por cumprida”. Esse cenário, contudo, é de baixa probabilidade, avalia Octavio Amorim Neto, e, com o cenário atual, “a presença dos militares no governo deverá permanecer alta”.
A continuar o que se vê, “Bolsonaro consegue apenas maiorias pontuais no Congresso, a centro-direita dividida não logra tomar decisões consistentes nem moderar os ímpetos disruptivos do chefe de Estado, a oposição se radicaliza, tudo isso resultando numa competição política com caráter marcadamente centrífugo”.
Octavio Amorim Neto acredita que “as frequentes crises e os contínuos fracassos do governo” vão criar um círculo vicioso: quanto mais o governo precisa dos militares, mais esses são combatidos tanto pelo bolsonarismo radical (abertamente) quanto pelos políticos do Centrão que querem seus cargos (veladamente); quanto mais agudas as tensões entre os militares e esses dois grupos, mais o governo erra e fracassa, e mais acaba recorrendo aos militares.
Embora considere que esse continua sendo o mais provável, Octavio Amorim Neto teme o cenário pessimista, “a degeneração da dinâmica centrífuga em crise de governo, por conta de um Executivo francamente minoritário e desastroso”. Nesse caso, analisa, “Bolsonaro vai para a ofensiva, atacando duramente o Congresso e outras instituições (Judiciário, imprensa, universidades, etc...)”.
Para o cientista político da FGV do Rio, os militares terão um papel central numa crise terminal do governo. O cenário pessimista, cuja probabilidade é crescente para Octavio Amorim Neto, e a ruptura dos militares com Bolsonaro são as duas faces da mesma moeda.