Como um barco naufragado cuja carcaça se arrebenta contra as pedras, o Rio de Janeiro continua lá, encalhado em berço esplêndido, largando pedaços a exemplo da ciclovia da Avenida Niemeyer, desfazendo-se ao sabor de chuvas e marés, metáfora perfeita do destino infeliz dessa cidade.
Não, o Rio não continua lindo, apesar das tardes de abril. Tornou-se uma cidade trágica, em que a morte é banal e o sangue tem pouca tinta, onde a violência é a lei, a mesma, de bandidos e policiais. Onde o medo nosso de cada dia nos faz estrangeiros a nós mesmos, os cariocas que já fomos tão alegres e esperançosos.
Somos governados por uma mistura de fanatismo religioso e hipocrisia, pelo cinismo de uma impassível máscara funerária diante do horror das casas inundadas, da desgraça das famílias soterradas pela indiferença e desprezo de milícias militantes e seus simpatizantes. Como se já não bastassem os territórios ocupados pelo tráfico, os fora da lei fizeram do Rio sua terra de eleição. O Rio, a capital de um estado com cinco governadores já presos.
O Rio é todo ele um monte de escombros, uma gigantesca Muzema onde caímos todos no conto do vigário, literalmente. Quem não gostar queixe-se ao bispo, o gélido bispo que chama a tempestade de chuvinha corriqueira, aquele mesmo que se elegeu para cuidar das pessoas.
Uma tragédia maior instalou-se entre os cariocas, uma depressão profunda, justificada talvez, porém fatal, uma paralisia política, a incapacidade de esboçar resistência, sequer de trabalhar uma alternativa, como se um cansaço imenso, vindo de muitos anos de lutas perdidas, tivesse esgotado nossas reservas de cidadania. Um choro cada vez com menos força.
Haverá eleições. Um ano e meio é tempo curto, as alternativas escassas e os recursos também. Se essa paralisia não for vencida, se os cariocas que ainda querem salvar o Rio não acordarem dessa letargia, se não encontrarem um denominador comum, teremos no horizonte a mesma máscara funerária ou um zero qualquer coisa de sobrenome conhecido.