Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Os Conflitos de alma

Os Conflitos de alma

 

O episódio da intervenção do presidente Bolsonaro revogando o aumento do preço do óleo diesel determinado pela Petrobras é apenas um dos vários que revelam o desconforto do presidente com o perfil liberal na economia com que se travestiu para ganhar a eleição.

Não há dúvida de que a presença do economista Paulo Guedes na sua equipe, com plenos poderes para decidir qualquer coisa na área que o presidente declaradamente ignora, deu a um grupo importante de eleitores a certeza de que, elegendo Bolsonaro, não estavam elegendo apenas aquele deputado tosco e radical do baixo clero que surgiu do nada para galvanizar a disputa eleitoral.

Foi Guedes quem garantiu a Bolsonaro deixar de ser um tipo de candidato como o Cabo Daciolo para reunir em torno de si não apenas seus seguidores radicais de direita, mas também uma classe média que aspira a uma ascensão social, e empresários e investidores que sentiam firmeza na presumível influência do economista liberal sobre o capitão.

A conversão do Bolsonaro estatizante em um liberal na economia nunca foi bem explicada, mas o fato é que ele deixou-se convencer por Paulo Guedes da necessidade das reformas estruturais sem as quais o país não vai sair do buraco. E sem cuja defesa não seria eleito.

Paulo Guedes procurara Luciano Huck para convencê-lo a se candidatar à presidência da República baseado na sua enorme popularidade, e na sua visão liberal da economia.

Assim como Bolsonaro viu que havia uma brecha para disputar a presidência da República no vácuo que a radicalização e a corrupção petista deixaram para trás, também Paulo Guedes entendia que depois do fracasso do que chama de fase esquerdista do país, representada pela social-democracia em que iguala os oito anos de Fernando Henrique aos 13 anos petistas de Lula e Dilma, havia espaço para uma politica liberal na economia e um programa direitista nos costumes.

Foi Guedes quem quase convenceu Luciano Huck a candidatar-se (“ele tem mais seguidores na mídia social do que Trump”, espanta-se), mas foi Bolsonaro quem o procurou. Já com uma grande penetração em setores da população que ansiavam há anos por um governo rigoroso com os desmandos, especialmente no combate ao crime organizado, que desse uma sensação de segurança ao cidadão, e ávido por políticas públicas que transformassem seu cotidiano em menos sofrido, Bolsonaro foi buscar Paulo Guedes. O que deu a certeza a empresários e investidores de que quem mandaria seria “posto Ipiranga”.

Ledo engano. No fundo da alma Bolsonaro não mudou a maneira de pensar, apenas adaptou-se às necessidades eleitorais do momento. E também ao pragmatismo, que indica que se não forem feitas as mudanças, abrindo o país e modernizando as relações de trabalho e o sistema previdenciário, não teremos condições mínimas de crescimento econômico.  

Mas não é por acaso que ele volta e meia repete que gostaria de não ter que fazer a reforma da Previdência, mexendo no que considera “direitos adquiridos”, a favor dos quais sempre votou, contrário às reformas apresentadas pelos governo antecedentes.

A intervenção no preço do óleo diesel aconteceu também por cálculo político. Nunca é bom esquecer que Bolsonaro estava apoiando a greve dos caminhoneiros no governo Temer, ao lado dos manifestantes que pediam a volta dos militares ao poder. Era um grupo pequeno, mas que chamou a atenção e foi ganhando novas dimensões com o decorrer da paralisação.

Como não entende nada de economia, faz raciocínios simplistas que parecem corretos a setores da população que acham possível ter combustíveis baratos num mercado globalizado em que a competição é em dólar. Acaba acontecendo como na Venezuela, onde a estatal de petróleo (PDVSA) bancava gasolina e diesel baratos na bomba, num populismo vulgar, e perdeu as condições econômicas de continuar produzindo com competitividade.

Esses são movimentos que revelam uma mentalidade estatizante adormecida, mas não vencida, e não sinaliza um governo liberal, e sim um que aproxima os ares retrógrados que dominam áreas importantes como as Relações Exteriores, o Meio-Ambiente, a Educação, a um possível retrocesso também econômico.      

Esqueceram–se de que quem tem voto é o capitão, e que um presidente da República tem poder incontrastável, pelo menos até perder o apoio da maioria do Congresso. 

O Globo, 14/04/2019