Sete degraus sempre a desceré um livro de alta poesia. Alta, porque levada ao descenso, ensaio de ousadia, pacto de sangue dos happy few. A viagem de Alceste e Orfeu pertinaz, solitária, ao longo de uma incontornável cerimônia de adeus. Como um rito de passagem, a descida de Eugénia coincide com a noite dos sentidos, de Al Berto e João da Cruz, as Moradas de Teresa e o de mundo et partibus de Adelia Prado. Baixar sete degraus, como no Purgatório: eis aqui a gênese da transmutação, a travessia da selva escura, enquanto Eugénia espera a iminência da aurora, aunque es de noche.
A noite dos dias. Talvez o dia das noites. Luz e sombra, porque amores são feitos de matéria ambígua.
Não havendo outro modo de subir, Eugénia abre de par em par as portas de sua “bodega” interior, novo cântico espiritual, arrebatada, tantas vezes, entre feroz e sutil, ao passo que, outras tantas, ferida e alvejada, para logo emergir, renascida, de olhos fitos no ainda não, severos e fugazes.
Eugénia possui uma poesia sísmica, de larga magnitude, mesmo quando parece dizer o contrário, mesmo quando voluntariamente arrefece, no intervalo dos versos, no rumor de fundo que organiza seu canto, ao sabor de uma unidade descontínua, nas ligaduras, que soltam e amarram seus fragmentos, as falhas geológicas, o incessante vulcanismo de lava e lapilli.
Eugénia de Vasconcellos é detentora de uma voz profunda e cristalina, livre e rigorosa, humilde e altiva, filha e mãe das leituras que a atravessam, convocadas pela vida, estratos e camadas de presente, como o mármore de Bernini para Teresa em Santa Maria della Vittoria.