Embora remota e improvável, a possibilidade de um confronto militar na nossa vizinhança, trazida à tona pela crise da Venezuela, levanta questões importantes sobre o nosso sistema de defesa. Eduardo Brick, professor da Universidade Federal Fluminense, no momento atuando na Escola Superior de Guerra como docente do programa de Pós-graduação em Segurança Internacional e Defesa (PPGSID) e na criação do Centro de Capacitação em Aquisição de Defesa (CCAD), considera que a situação imediata não apresenta ameaça, mas, a longo prazo, precisamos mudar a visão do Estado sobre a política de defesa.
Brick considera que o potencial econômico, tecnológico, industrial e militar do Brasil no seu conjunto é muito maior do que o da Venezuela. “O que está realmente em questão é o preparo da nossa defesa em médio e longo prazos, tendo em vista a evolução das tecnologias e da guerra”.
O professor considera que nossa estrutura atual é muito ineficiente, pois existem muitos militares e civis com autoridade sobre este problema, sem possibilidade de efetiva coordenação entre eles, e multiplicação de estruturas para tratar dos mesmos assuntos.
Falta também capacitação profissional para tratar deste assunto, pois “a qualificação dos militares é precipuamente voltada para o combate e não para a logística de defesa”. Como a capacidade militar demanda décadas de planejamento bem feito e detalhado, a situação já estava crítica muito antes da crise ecopnomica.
Capacidade militar, lembra ele, é a soma de capacidades operacional de combate, de inovação (CT&I), industrial e de gestão estratégica. “O cenário geopolítico para o Brasil, pelo menos depois do desmantelamento da União Soviética e do acordo Brasil Argentina para dirimir os atritos entre os dois países, tem sido indubitavelmente benéfico”. Portanto, ressalta Brick, são cerca de 30 anos (o período dos governos civis), que deveríamos ter aproveitado para fortalecer o que ele chama de Base Logística de Defesa (BLD), e não o fizemos.
Brick diz que um bom indicador é o percentual do orçamento de defesa usado para aquisições de bens de capital e investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e ciência, tecnologia e informação (CT&I). “O ideal teria sido de 30 a 40 %, mas em raras ocasiões passamos dos 10%”.
No Brasil, ressalta Eduardo Brick, a BLD está desmembrada e, em grande parte, subordinada às três Forças Armadas, com grande redundância de órgãos para cuidar dos mesmos problemas, que em grande parte não estão associados a uma Força apenas. Para o especialista, “bastaria uma única organização no âmbito do Ministério da Defesa”.
Esta é a solução adotada pela maioria dos países, inclusive pela necessidade de maior eficiência em função das restrições orçamentárias. Nesses países (França, Reino Unido, Suécia, Austrália, Alemanha, Holanda, Canadá, Espanha, Índia entre outros), as funções de logística de defesa foram retiradas da subordinação das Forças Armadas e centralizadas em uma a duas instituições independentes, subordinadas ou não ao Ministério da Defesa.
Adicionalmente, diz Eduardo Bricks, esse fatiamento das atividades de logística de defesa pelas três Forças Armadas (e também por outros ministérios, como Indústria e Comércio e Ciência e Tecnologia) impede que se tenha uma política industrial e tecnológica para a defesa.
Outro grave problema é a falta de massa crítica em termos de recursos humanos qualificados para setores cruciais como profissionais de aquisição, gestão de programas e projetos, análise de capacidades operacionais, planejamento, controle, auditoria, elaboração de requisitos e especificações de meios e tecnologias de defesa. “Seria preciso que houvesse carreiras de Estado para cuidar do desenvolvimento e sustentação de capacidade industrial e tecnológica específica para defesa”, sonha Eduardo Brick.
Num país em que a necessidade premente de corte de gastos obriga a uma reforma da Previdência para sinalizar uma atividade econômica sustentável a longo prazo, dificilmente haverá espaço orçamentário para a montagem de uma política de defesa como a sonhada por Brick. Mas ele insiste em que "O país precisa muito que este assunto entre na agenda do Congresso e da sociedade. É o nosso futuro como país moderno, desenvolvido e competitivo no cenário internacional que está em jogo".