O que mais impressiona nos áudios das conversas entre o presidente Jair Bolsonaro e seu ex-ministro Gustavo Bebianno é a sua irrelevância. Nada de importante foi tratado, e mesmo as queixas do presidente são desimportantes.
Não que não pudesse demitir seu ministro da Secretaria Geral da Presidência, mas não precisava arranjar desculpas esfarrapadas para fazê-lo. Nem usar o filho Carlos para criar o clima propício. Como disse o vice-presidente Hamilton Mourão, alguma coisa a mais deve ter acontecido. Porque, se o bate-boca não tem nada por trás, estamos diante de um presidente que trata questões pessoais como se fossem crises de Estado. E acaba criando mesmo uma crise do nada.
Essa crise política, completamente desnecessária, é consequência da precariedade do apoio parlamentar do governo e, sobretudo, da falta de lideranças capazes de apaziguar os ânimos quando necessário. Os articuladores políticos são do baixo clero do Congresso, assim como Bolsonaro, que nunca teve uma atividade parlamentar importante nos quase 30 anos de deputado federal.
Era um político de nicho corporativista, que se lançou como defensor dos direitos dos militares, seus companheiros de farda, e acabou ampliando sua ação para o campo da extrema direita, levado a defender extemporaneamente a ditadura militar, inclusive torturas, quando a maioria dos militares já havia deixado para trás os anos de chumbo e cuidava de seus deveres profissionais dentro dos quartéis. A visão democrática dos militares, aliás, é um dos pontos altos da atual administração, até prova em contrário.
Mesmo claramente contrários a governos petistas, nunca houve registro de reações a ordens recebidas ou descontentamento com as nomeações de ministros da Defesa pelos governos petistas. Tanto que Jacques Wagner, com o tato político que lhe é natural, conseguiu até mesmo indicar para seu vice uma militante do MST.
Só quando ela, assumindo interinamente o ministério, publicou um documento transferindo para o Ministério da Defesa a capacidade de intervir no currículo dos colégios militares é que houve uma reação, mesmo assim sem alardes.
E quando a presidente Dilma tentou decretar o estado de emergência que, na prática, paralisava o processo de seu impeachment e alargava seus poderes, o comandante do Exército, general Villas Boas, fez-lhe saber que não teria o apoio das Forças Armadas.
Mesmo que, até agora, tenham demonstrado uma tendência democrática e conciliadora, a ponto de até parte da esquerda preferir o vice general Mourão a Bolsonaro – que já abordou esse fato em entrevista -, os militares não são o melhor caminho para negociações políticas.
Por escassez de talentos políticos conciliadores, Bebianno estava preenchendo esta lacuna. Seu gabinete estrategicamente plantado no Palácio do Planalto lhe dava a a aparência de poder necessária para negociar com o Congresso.
Agora, será preciso encontrar um outro homem ou mulher capaz de fazer esta ponte, dentro de um PSL que é um bando de neófitos desequipados para a missão, ou membros da velha política tentando encontrar um espaço novo para continuar suas práticas deletérias. Isso num momento crítico em que chegam ao Congresso os dois principais projetos do governo, a reforma da Previdência e o combate à corrupção e ao crime organizado.
Não é à toa que os ministros Paulo Guedes e Sergio Moro estão eles mesmos negociando pessoalmente com os parlamentares. O motivo de “foro íntimo” dado oficialmente como razão para a demissão de Gustavo Bebianno envolve, em bom português, questões morais.
Se for isso, é preciso que o Planalto revele esses motivos, camuflados por uma discussão pública ridícula. Vários ministros, em diferentes governos, foram demitidos por estarem envolvidos em investigações de corrupção, e o governo seguiu em frente.
Não há razão para que agora, num governo que teoricamente defende a transparência como forma de combater a corrupção, fique no ar a desconfiança de que existe algo escondido nessa demissão ministerial.
Ontem, o Congresso derrubou uma decisão estapafúrdia adotada logo no início do governo, que ampliava para servidores de segundo escalão a possibilidade de classificar documentos como sigilosos ou confidencias, o que os deixaria secretos por dezenas de anos.
Um estímulo à burocracia estatal para esconder malfeitos. A tentativa de acobertar a verdade através de decretos ou mensagens oficiais nebulosas vai de encontro ao que seria a transparência do novo governo.