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A sombra de Queiroz

 

Quando o já eleito presidente Jair Bolsonaro admitiu, em dezembro passado, que o dinheiro depositado na conta de sua mulher Michelle por Fabricio Queiroz, seu ex-assessor, na ocasião servindo ao filho Flavio Bolsonaro, então deputado estadual pelo Rio, era o pagamento de uma dívida pessoal, os integrantes do Ministério Público estadual que investigavam as movimentações financeiras atípicas de Queiroz discutiram se deveriam consultar o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o foro privilegiado, já que ele era deputado federal à época dos fatos.

A turma do Ministério Público Federal do Rio achava que era o melhor caminho, para resguardar a investigação e evitar uma anulação mais adiante. O MP estadual foi contra, porque Jair Bolsonaro não era investigado. 
 
Agora, seu filho Flávio fez o que nem o MP estadual quis, correndo o risco de levar ao Supremo uma investigação sobre o presidente da República. Isso porque  se a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, assumisse a investigação, poderia recomeçar todo trabalho, incluindo sobre o dinheiro depositado na conta da mulher do presidente.

Só não haverá problema maior porque o ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, já deu a entender, como era esperado, que manterá o processo na primeira instância. 

Tanto ele quanto o ministro Luis Fux, que suspendeu temporariamente o processo alegando que ele poderia ser anulado caso Marco Aurélio concordasse com algum ponto da reclamação, votaram no Supremo pela forma mais rigorosa de restrição.

Essa decisão, tomada devido a uma proposta do ministro Luis Roberto Barroso, teve 7 votos favoráveis integralmente, contra 4 dos ministros que, favoráveis à restrição do foro, queriam que a prerrogativa valesse inclusive para crimes comuns, mesmo que não tivessem qualquer relação com o mandato.

Do grupo derrotado, Dias Toffoli e Gilmar Mendes queriam estender a redução do foro a todas as autoridades que têm esse direito. Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski concordaram em aplicar a nova regra apenas a deputados e senadores. 
 Seria improvável, portanto, que houvesse uma manifestação do Supremo em apoio ao pleito do filho do presidente, e muitos juristas consideram que Fux foi exageradamente cauteloso, pois a própria reclamação era indevida diante da decisão do plenário do Supremo.

O presidente Jair Bolsonaro deu uma explicação sobre o dinheiro na conta de sua mulher, alegando que se referia a um empréstimo que fizera a Queiroz. E esclareceu que, na verdade, não foram apenas R$ 24 mil depositados na conta de sua mulher, mas R$ 40 mil pagos em dez cheques de R$ 4 mil.

Tanto na ocasião da denúncia, quanto agora, Bolsonaro tratou de explicar o seu caso, mas não defendeu nem o filho Fábio, nem o assessor Queiroz. Ontem, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, disse que o presidente considera que esse assunto não lhe diz respeito.

A explicação do presidente para o seu caso parece plausível, inclusive porque terá que corrigir a declaração de imposto de renda para incluir o empréstimo. Mas Flávio Bolsonaro continua com atitudes que sugerem que não quer esclarecer os fatos.

Ele disse, por exemplo, que Queiroz havia lhe dado “explicacões razoáveis”, mas não revelou quais seriam elas. O próprio Queiroz deu uma entrevista ao SBT onde disse que seu dinheiro provinha de uma atividade paralela à assessoria parlamentar: vendedor de caros usados.

Mas não mostrou, recibos nem explicou por que todos os assessores de Flávio Bolsonaro depositavam todo início do mês, quando recebiam salário, uma quantia em sua conta. Só se todos compraram carros usados com ele.

Queiroz prometeu apresentar as provas em seus depoimentos no Ministério Público, mas deixou de comparecer a duas audiências, e acabou se internando no hospital Albert Einstein para uma operação de retirada de um tumor maligno. Agora, Flávio Bolsonaro tenta parar as investigações e anular as provas obtidas até agora.

Do ponto de vista prático, nada acontecerá ao presidente Bolsonaro enquanto estiver na presidência da República, protegido pela temporária imunidade. Mas, a cada trapalhada do filho ou do assessor, o desgaste político não cessa.  

O Globo, 19/01/2019