Como já estão querendo jogar a culpa no acaso e na fatalidade, é importante lembrar o que afirmou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge: “O Brasil passa por uma sucessão de fatos e desastres evitáveis e preveníveis”.
E se não bastasse essa respeitável observação, há as provas. Os repórteres Aline Ribeiro, Thiago Herdy e Natália Portinari pesquisaram e revelaram que, em 12 anos, dez grandes tragédias evitáveis chocaram o país, causando 1.774 mortes — do acidente do avião da TAM, passando pelo desabamento do Edifício Liberdade, o incêndio da boate Kiss, até a barragem de Brumadinho e o incêndio do Ninho do Urubu.
Nesta altura do artigo, eu ia escrever que não aguentava mais notícia ruim quando soube da morte de Boechat. Foi um choque — para mim e todos os colegas e amigos dele, além de ouvintes e telespectadores, numa comoção nunca vista igual. No mesmo dia, presenciei o comentário sentido de um motorista, de um porteiro, de uma empregada doméstica e, acredite, de um importante médico, que contou a seguinte história.
Uma vez, ao descobrir que ele, cirurgião, ia perder o voo por falta de lugar, um passageiro cedeu o seu. Era Boechat, que não o conhecia, mas de quem o doutor já era fã. Imagina depois disso. Não por acaso, um dos adjetivos mais usados nos depoimentos sobre ele foi generoso.
Na sua rápida passagem pelo serviço público, Boechat foi chefe de minha mulher e, depois, meu colega no “JB”. Conservávamos essa velha amizade. O que intrigava os que o conheceram antes da fama avassaladora foi sua capacidade de renovação: como conseguiu se transformar em fenômeno do rádio e da TV ao se mudar para São Paulo?
Acho que foi ter levado para o mundo virtual o mundo real. Ele não tinha dupla personalidade, era o mesmo na redação, na mesa de bar ou diante do microfone. Era de verdade.
Popular sem ser populista, nunca foi um animador de auditório. Ao contrário, irreverente, não procurava agradar, às vezes era até desagradável. Seu humor crítico não se poupava, ria de si mesmo. O seu maior segredo talvez tenha sido não se levar a sério. Os Ventura, Boechat, estão arrasados.