O luto é um estado de espírito que piora a cada dia quando se aceita que o que aconteceu não é um pesadelo. É o cara a cara com a perda irreparável, é o amanhã do que não poderia ter acontecido. Olhar em volta e só ver a lama.
Estamos vivendo um luto. Pelas ilusões perdidas, pelos falsos profetas enlameados, pelo país que poderia ter sido e que não foi. Há poucos anos acreditávamos que o Brasil, enfim, decolaria.
Foi nessa época que visitamos Inhotim e pernoitamos em Brumadinho, uma cidade modesta, um nome que se pronuncia com carinho. Voltamos da visita ao parque e, à noite, tudo era alegria, um orgulho imenso do Brasil em que se misturavam os Parangolés do Oiticica, os azulejos da Varejão com uma natureza esplendorosa e bem preservada. O Brasil do talento alimentou esperanças de que um dia o país seria todo como esse parque feito de arte e originalidade, em um meio ambiente exemplar. Nessa noite, em Brumadinho, fomos felizes.
Não tínhamos ainda visto a lama. A lama que invadiu o país, torrencial, se infiltrando por todas as frestas, invadindo as casas, soterrando gente e projetos, engolfando partidos. Essa lama omnipresente que destrói tudo e nos ameaça com o descrédito internacional, nos faz terra arrasada.
Essa lama que invadiu as empresas que destroem o que deveriam construir, os gabinetes de deputados repletos de fantasmas, essa lama feita de atraso, propinas, ganância, desonestidade, de irresponsabilidade e incompetência, de desprezo pela vida humana, essa lama invadiu as nossas veias e está endurecendo nossos corações. Esse país nos envergonha. Não é o que sonhamos na noite de Brumadinho.
A cidade destruída, mais uma, é uma metáfora poderosa e trágica. Os mortos foram enterrados vivos. Os vivos chafurdam na lama assassina, que cola neles, sem saber como removê-la. Não é um pesadelo. É o Brasil.
Mas há os que não desistem, os que procuram sobreviventes. Em todo o pais é preciso buscar sobreviventes para, juntos, reconstruí-lo. Só assim nós mesmos sobreviveremos.