Recente pesquisa internacional concluiu que somos um dos povos menos confiantes do mundo.
Desconfio que estão errados. Só se consideram quem não dá a menor confiança aos fatos. Mesmo evitando palavras como crédulo ou ingênuo, constato o oposto: nossa gente confia até demais. Pode desconfiar das instituições, mas confia em pessoas. E psicanalistas dizem que descrer do coletivo leva a buscar um salvador individual. Em manada, até gente inteligente dá fé a palavras ocas e versões suspeitíssimas. Longe dos fatos.
Poucos confiam tanto como nós em políticos corruptos e falsos. Ou em lideranças religiosas as mais variadas. Incontáveis igrejas proliferam, ancoradas na isenção tributária que lhes permite ganhar dinheiro de legiões de confiantes fiéis sem ter de pagar impostos. Inúmeras mulheres confiam em companheiros que passam a agressores quando elas decidem romper. E em espertalhões confiados que prometem juventude eterna e cirurgias plásticas mirabolantes. E há casos como Roger Abdelmassih, que traiu a confiança das clientes e foi condenado a 181 anos por estupros em série. Sem falar nas estarrecedoras revelações sobre o criminoso abuso de confiança por parte do médium João de Deus. Com direito a confiantes reações de quem quis culpar as vítimas. Centenas delas. Durante décadas. E o rebanho, ó, confiando...
Recentemente Verissimo escreveu sobre negadores da realidade e citou que a Paraíba, com o lema NEGO, é o único estado cuja bandeira tem algo escrito. Confiou demais na memória. Desconfio que se enganou. A bandeira do Espírito Santo, ainda que desafie a ministra Damaris, vestindo azul e rosa ao mesmo tempo, traz o dístico “Trabalha e confia.” Depende de em quem se confia enquanto se trabalha. Certas confianças podem ser arriscadas. De minha parte, desconfio de plebiscitos para decidir questões complexas. Vide Brexit ou posse de armas.
Fernando Pessoa alerta: “Ó sol que dás confiança só a quem já confia!” Mais vale desconfiar e abrir o olho.