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Lembrando um herói

 

Há exatos 30 anos e dez dias, o Brasil perdia o que custa tanto a criar: um herói, Chico Mendes, o protomártir da causa ambiental. Por outro lado, ao visitar Eldorado do Carajás há seis meses, o então candidato Jair Bolsonaro anunciou o que seria sua política para o setor.

Em palestra para produtores rurais, ele garantiu que, se eleito, ia “tirar o Estado do cangote” dos ruralistas, “segurar” as multas ambientais e aumentar a repressão a movimentos do campo. “Não vai ter um canalha de fiscal metendo a caneta em vocês. Direitos humanos é a pipoca, pô”.

Antes, discursou o presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Nabhan Garcia. “Bolsonaro, aqui o recado da classe produtora é direto: ‘Quando o senhor se tornar presidente, vê o que fará com essa gente da Funai, do Ibama, do Ministério Público, que não respeita a propriedade privada’”.

Como se sabe, um é agora presidente da República e o outro, o do “recado”, é o secretário especial de Assuntos Fundiários. Os dois não se manifestaram contra o escandaloso aumento de 39% do desmatamento da Amazônia em 2018. Segundo o Imazon, que monitora a região, são 4 mil kms quadrados ou 13 vezes a cidade de BH.

Chico Mendes ficou famoso por ter, à frente dos seringueiros, desenvolvido táticas pacíficas de resistência contra a ação violenta de latifundiários, madeireiros e dos projetos agropecuários que viviam da derrubada da floresta, procurando substituí-la pelo pasto. A estratégia era expulsar posseiros e índios e instalar seus rebanhos nas terras devastadas pelo fogo. Por sua luta, Chico conquistou a admiração do mundo. O “NY Times” considerou-o um “símbolo de todo o planeta”, e a ONU o premiou com o Global 500. Mas ele precisou morrer para ser reconhecido em seu país como um personagem trágico que anunciou a própria morte. Matar o Chico foi mais fácil do que fazer o mesmo com suas ideias. Espera-se que Bolsonaro não tente. Que se inspire no clima conciliador e festivo da posse e faça uma autocrítica, admitindo, por exemplo, que “canalha” não é o fiscal que pune os que desvastam nossas florestas. Ao contrário.

O Globo, 02/01/2019