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Calma, gente

 

Bem que Ancelmo Gois está tentando acalmar os ânimos, fazendo o que pode em favor da paz, mas o seu bordão, apesar de muito popular, é de pouco efeito prático: as pessoas parecem querer tudo, menos calma. A prova é que a campanha eleitoral continua no que ela tinha de pior: a animosidade, a intolerância, o ódio de parte a parte, acrescida de novos ingredientes, represália, vingança, desforra.

Em missão no Brasil, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) constata que houve um aumento dos discursos antidireitos com a eleição de Jair Bolsonaro. Para a comissária Antonia Urrejola, um governo conservador por si só não é uma preocupação, mas “o acirramento dos discursos de ódio e antidireitos é”.

De fato, esse clima de beligerância está levando a desagradáveis ocorrências. Há o caso das duas moças que tiveram de descer do metrô porque estavam sendo agredidas com palavras de baixo calão simplesmente por estarem conversando. Há o episódio dos rapazes que andavam pelo calçadão de Ipanema quando um troglodita passou de carro gritando: “Bolsonaro vai acabar com essa pouca-vergonha”.

A dupla reagiu com bom humor: “E nem casal nós somos”. Com certeza, o xingamento foi inspirado na famosa afirmação do então candidato: “Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”. Detalhe: nenhum dos dois da dupla confundida com casal era bigodudo.

Do outro lado, há a história do professor de Direito Previdenciário da Universidade Federal de São Paulo que foi chamado por alunos nas redes sociais de “mau-caráter” e “fascista” por aceitar fazer parte da equipe que discute a reforma da Previdência no gabinete de transição. O ofendido entrou na Justiça pedindo indenização de R$ 5 mil.

Vocês repararam como o vocabulário usado pela política ficou tosco? É um sintoma. Diz-se que, quando um país se corrompe, a língua é a primeira a se degradar. Mas o que eu queria chamar a atenção é para mais uma esquisitice dessa eleição. Nem os perdedores sabem perder nem os vencedores sabem vencer.

O Globo, 14/11/2018