A relação do futuro governo Bolsonaro com o Congresso promete ser conflituosa, a depender das declarações de assessores do círculo próximo ao presidente eleito. Não é um bom começo para quem tem que aprovar reformas indispensáveis, e para isso precisará muitas vezes de uma maioria qualificada no Congresso para emendas constitucionais.
De nada servem declarações como as do futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, de que é preciso dar uma “prensa” neles, ou as do filho do presidente, deputado federal reeleito Eduardo Bolsonaro, de que é preciso “tratorar” o Congresso.
Guedes já havia proposto que as bancadas na Câmara tivessem voto unificado quando a maioria aprovasse um projeto, esquecendo que votos minoritários dentro do Congresso têm direito a serem representados, inclusive obstruindo votações, um direito das minorias parlamentares em todos os Congressos do mundo ocidental.
O filho-deputado, que obteve a maior votação de um deputado federal na história, talvez esteja se achando forte demais, e repete a fala sem controle que o levou a dizer que para fechar o Supremo Tribunal Federal bastavam dois soldados. Teve que se desculpar naquela ocasião, e provavelmente vai ter que explicar agora também.
Uma coisa é cortar as trocas de favores com o dinheiro público, ganhar votos com o toma-lá-dá-cá. Outra, muito diferente, é imaginar que o governo poderá obrigar o Congresso a aprovar reformas que quiser, sem negociação. Quando o senador Eunício de Oliveira, atual presidente do Senado que não se reelegeu, soube do comentário do superministro, apenas sorriu e disse que ele “não sabe” como funciona o Congresso.
Talvez também Eunício não tenha entendido como a banda toca agora, depois que o eleitorado o defenestrou do Senado, juntamente com um grande número de antigos caciques. Será preciso uma reorganização mental dos parlamentares, e também dos novos governantes, para encontrarem o ponto de equilíbrio entre impor decisões de um lado, e chantagear o governo de outro.
A idéia de que é possível “prensar” ou “tratorar” os deputados e senadores é uma interpretação equivocada do poder que o governo recebeu das urnas. A opinião pública sempre fez pressão sobre o Congresso, e quase sempre conseguiu superar obstáculos. O uso de novos meios de comunicação, que tão bem usaram durante a campanha, para pressionar os congressistas, se comandado pelo governo, pode se transformar em um escândalo, não representando a real posição da sociedade.
A Lei da Ficha Limpa é exemplar disso. Quando chegou ao Congresso, com seus milhões de assinaturas, foi menosprezada pelos deputados e devidamente engavetada. Quando ficou claro que a intenção dos deputados era fazer corpo mole e não aprová-la, houve uma movimentação intensa da sociedade, através principalmente dos novos meios de comunicação, e foi impossível ignorar o sentimento das ruas.
Paradoxalmente, o presidente eleito, por ter passado tanto tempo no Congresso, tem mais cuidado quando trata desses e de outros assuntos polêmicos. Surpreendentemente para quem chegou à presidência da República com mais de 55 milhões de votos, Bolsonaro mostra-se disposto a negociar. Quem delega poderes é quem de fato tem poder.
O juiz Sérgio Moro parece ter entendido perfeitamente a regra do jogo, pois deixou claro que a palavra final será sempre do presidente. Moro poderá ter uma função além de montar a estrutura de combate ao crime organizado, servirá de anteparo aos eventuais excessos de setores do governo, e até mesmo do presidente Bolsonaro.
Ontem ele levantou a possibilidade de tratar a questão das invasões rurais e urbanas do MST e do MTST com a energia da lei, sem, no entanto, torná-los grupos terroristas. Haverá também discordância quanto à licença para que policiais em confronto atirem para matar e sejam enquadrados no chamado excludente de ilicitude, dispensando a investigação para comprovação de legítima defesa.
Outra questão polêmica é a utilização de atiradores para matar bandidos armados. Mas o próprio Bolsonaro já admitiu que em casos de discordâncias, será buscado um meio termo. Caberá a Moro encontrar, dentro da lei, soluções que satisfaçam o presidente e seu entorno, e possam ser aprovadas no Congresso, ou mesmo no STF. .