É preocupante o rumo que Jair Bolsonaro parece querer imprimir à política externa, que poderá pôr em risco a credibilidade das instituições brasileiras e promover a importação de ódios e terrorismo, em vez de exportar concórdia, resultante do convívio harmônico entre judeus e árabes, de que o país é exemplo.
Além do mais, o presidente eleito terá que lidar com um problema adicional: a péssima imagem que tem no exterior, que contamina a do próprio Brasil. Seu futuro chanceler terá que ter credibilidade para reverter essa imagem, e suas ações contribuirão para facilitar ou dificultar o trabalho do futuro ministro das Relações Externas, que por isso mesmo precisa ser da carreira e com experiência para aguentar o tranco que vem por aí. Ele, que ficou tão irritado com o comentário do ex-presidente Fernando Henrique sobre sua imagem no exterior, tem que se preocupar mais com o tema.
A contribuição da política externa para o desenvolvimento, não apenas econômico, mas cultural, do país começa pelo estabelecimento de temas prioritários na agenda internacional, para nos colocarmos ao lado das melhores práticas: desenvolvimento sustentável, atração de investimentos externos, absorção de conhecimento e tecnologia, parcerias capazes de aumentar a produtividade, estimular a inovação e tornar o Brasil mais empreendedor e competitivo.
O novo governo vai ter que sopesar a importância das tradições, princípios e valores de nossa diplomacia, amplamente reconhecidos no mundo, antes de tomar decisões tão polêmicas quanto, por exemplo, a transferência de Embaixada para Jerusalém. O governo do Egito, por exemplo, já cancelou uma visita oficial do ministro das Relações Exteriores brasileiro.
As decisões tomadas no âmbito das Nações Unidas pela comunidade internacional, para as quais contribuímos em diferentes momentos, inclusive com a participação de Oswaldo Aranha na partilha da Palestina, em 1947, têm que ser levadas em conta, evitando-se o voluntarismo. Princípios, como o da igualdade soberana dos Estados, o da solução pacífica das controvérsias, o da autodeterminação dos povos e o do primado do direito, consagrados na Constituição, precisam ser preservados.
Retrocessos nessa área não seriam circunstanciais, teriam impacto no papel do Brasil no mundo, em sua imagem historicamente construída. Num mundo em transformação, é cada vez mais difícil para um único país, por maior que seja o seu poder, moldar por si só a globalização. O exemplo dos Estados Unidos parece fascinar o presidente eleito Jair Bolsonaro, mas ele tem que entender que o Brasil, por maior que possamos ser no continente, é periférico na geopolítica internacional.
Desdenhar da China, nosso principal parceiro comercial, afastar-se do Mercosul bruscamente, menosprezar a Argentina como parceira regional importante, tudo parece improvisado e ditado por uma política ideológica de que o próprio presidente eleito acusa os governos anteriores.
Além do mais, há exemplos históricos, aqui e no exterior, que mostram que são os governos conservadores os mais capazes de darem passos importantes na quebra de paradigmas, com o objetivo do interesse nacional. Em 1974, em plena ditadura militar, o governo Geisel reatou relações com a China, na gestão do chanceler Azeredo da Silveira, considerado à época comunista, mas que tinha o pragmatismo responsável como norte de sua atuação.
Também foi com Geisel e Silveirinha que o Brasil reconheceu a independência das colônias de Portugal,inclusive Angola, do governo esquerdista do Movimento Popular para Libertação de Angola (MPLA). Foi também no governo do republicano Richard Nixon que, seguindo a política traçada pelo Secretário de Estado Henry Kissinger, os Estados Unidos reataram as relações com a China.
Quando falo que o Brasil perde a capacidade de interlocutor, refiro-me principalmente à nossa região. Aconteceu, por exemplo, na Colômbia, cujo governo de direita não aceitou a mediação do Brasil com as Farc por nos considerar tendenciosos à esquerda.
Mas não precisa também achar que será um grande líder mundial, como aconteceu com Lula, amarrado a uma política externa do chanceler Celso Amorim que visava à sua consagração internacional.
Em 2010, o Brasil, juntamente com a Turquia, se ofereceu como mediador com o Irã na crise de seu programa nuclear. Chegou até a conseguir uma promessa de acordo, que acabou sendo bombardeada pelos Estados Unidos justamente por desconfiança dos objetivos. Cinco anos depois, os Estados Unidos e países da Europa fecharam um acordo que hoje o presidente Trump quer encerrar.