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Separação de Poderes

 

O debate sobre a nomeação do juiz Sérgio Moro para o ministério da Justiça com superpoderes no governo Bolsonaro levantou pontos relevantes sobre a relação entre os Poderes da República, e o exercício da política para além do jogo partidário.

Moro sempre declarou que nunca faria carreira política, obviamente se referindo à politica partidária. Mesmo porque já era um “agente político” na sua atuação como magistrado, de acordo com a definição da Corregedoria Geral da União (CGU): “agente político é aquele investido em seu cargo por meio de eleição, nomeação ou designação, cuja competência advém da própria Constituição, como os Chefes de Poder Executivo e membros do Poder Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas, além de cargos de Diplomatas, Ministros de Estado e de Secretários nas Unidades da Federação, os quais não se sujeitam ao processo administrativo disciplinar”.

Separação dos poderes não é intrínseca à democracia, mas ao presidencialismo, criada na Constituição americana em 1789. Já existia na teoria, pela famosa obra de Montesquieu “O espírito das leis”, e outras, e incipientemente na Inglaterra, à época uma monarquia constitucional que ainda não separava claramente o Poder Judiciário do Executivo.

Os EUA formaram a primeira república constitucional do mundo moderno. O verdadeiro fundo filosófico é que nos EUA, quem governa, dá os rumos, é o Congresso. Um congressista faz parte de um poder verdadeiro. O Legislativo é um poder que não tem chefe. Um deputado, um senador, não é subordinado a nenhum chefe. Não pode ser demitido por chefe nenhum. Muito menos pode ser subordinado ao simples chefe de outro poder, o Executivo.

A independência de poderes legítima impede que um deputado ou senador americano seja ministro. Se quiser ser ministro, tem de renunciar ao seu mandato de legislador e virar auxiliar do presidente. Nos EUA, a senadora Hillary Clinton teve de renunciar ao seu mandato para ser Secretária de Estado de Barack Obama.

Norberto Bobbio , um dos maiores filósofos políticos do século XX, escreveu a “Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos Clássicos”, onde dá a sua definição sobre política. Para ele, falar em política leva ao conceito de poder, que é a capacidade de se obter os meios para fazer prevalecer suas ideias em uma sociedade.

Os poderes políticos são legitimados, dependendo das circunstâncias, pela tradição, pelo despotismo ou pelo consenso, uma característica da democracia. Na Grécia Antiga, Aristóteles, em “A Política”, tratava dela como inerente à atividade humana, pelo interesse pelas coisas das cidades (pólis).

“Fazer política” não é, portanto, apenas uma prática partidária e eleitoral, mas refere-se às atividades do Estado, e como a sociedade se relaciona com ele. Os políticos que criticam Moro por ter aceitado participar de um ministério, o fazem como consequência de uma luta política que só demonstra como estão dissociados das mudanças que o país está vivendo.

Se quiséssemos mesmo exercer um presidencialismo na sua essência, deveríamos seguir o exemplo dos Estados Unidos, e exigir que os membros do Congresso renunciassem a seus mandatos se quisessem ir para o ministério, assim como é exigido dos membros de outros Poderes, como o Judiciário.

Moro teve que renunciar à carreira para exercer um cargo em outro Poder. Acabaríamos com o toma-lá-dá-cá radicalmente.

Na véspera de seu encontro com o presidente eleito Bolsonaro, Moro releu trechos do livro “Excellent cadavers”, de Alexander Stille, sobre a atuação do juiz Giovanni Falcone, o líder do combate à Máfia que gerou a Operação Mãos Limpas da Itália, que também foi para o governo. No livro, Moro marcou o seguinte trecho: “em poucos meses em Roma, Falcone mudou o papel do Executivo na guerra contra a máfia”, segundo Ignazzio De Francisci, membro do grupo anti-máfia anterior à chegada de Falcone ao governo italiano. 

Moro, num rasgo de insuspeitada auto-ironia, comentou com amigos que espera não repetir totalmente a historia de seu ídolo, tão perigoso para máfia que foi assassinado em 1992.

O Globo, 04/11/2018