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Pensar no futuro das crianças angustia pela extrema dramaticidade

 

Eram 2h42m da madrugada de sexta, quando a GloboNews encerrou sua transmissão do último debate entre os principais candidatos a presidente e as indispensáveis análises do seu time de craques que ajudaram a entender a estratégia de cada participante. Na verdade, o principal “amarelou”, como foi dito. Jair Bolsonaro não compareceu alegando estar em recuperação médica, mas na mesma hora do confronto deu entrevista à TV Record. Naquele dia, a pesquisa do Datafolha registrava seu crescimento em três pontos percentuais, atingindo 39% dos votos válidos, enquanto Haddad conseguia apenas 25%. A hipótese de que “ele” ia resolver no primeiro turno assustava. E eu me perguntava: “tenho tantos pecados assim para pagar? Jânio Quadros, Vaca Fardada, Collor não bastavam?”.

Ficou provado, desde a facada, que a melhor arma do capitão, espontânea ou não, era a agenda controlada. Nunca foi alvo de tanta notícia positiva quando esteve no leito do hospital cumprindo, digamos, silêncio obsequioso. Por que então se submeter a sabatinas em que há sempre uma pergunta inconveniente, se cresce quando está ausente?. O seu forte não é a coerência: ele costuma desmentir hoje o que disse ontem — ou anteontem.

Para mim, a decepção maior foi a quase ausência da criança como tema, justamente quando, segundo denúncia da Unicef, existem 8 milhões delas abandonadas no Brasil, muitas das quais estariam nas ruas sem abrigo, comida, dignidade.

Pensar no futuro dessas crianças angustia pela extrema dramaticidade. Mas o de outras, como o de meus netos, Alice, de 9 anos, e Eric, de 6, preocupa pelo Brasil incerto e intolerante que vamos deixar para eles. Falo dos netos porque são a minha paixão. Se eu soubesse que era tão bom ser avô, pularia a etapa dos filhos.

Alice, por ser a primogênita, recebeu mais atenção de minha parte do que Eric, pois todas as gracinhas que ele faz, e são muitas, ela já fez antes, como esta: “na minha família tem duas pessoas famosas — eu e meu avô; ele porque fala de mim”.

Sempre prometi que quando ela nascesse, não diria “Ah, que gracinha”. Não me contive e escrevi coisas assim:

"Sou um avô tão modesto que, quando as pessoas garantem que Alice, com poucos dias de nascida, já se parece comigo, é linda, tem os meus olhos, a minha boca, acredito”. Mas, apesar disso, acrescentava: “não saio por aí exaltando essas proezas e nem venho a público alardeá-las. Não importa que seja tudo verdade, guardo só para mim, não sou de apregoar”.

O Globo, 06/10/2018