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Efeitos, não causas

 

Mais uma das esquisitices desta eleição é a evidência de que os dois candidatos que lideram as pesquisas eleitorais ou não representam a maioria dos seus apoiadores, como é o caso de Bolsonaro, ou são meros prepostos do verdadeiro líder, o caso de Fernando Haddad.

Nenhum deles estaria com um pé no Palácio do Planalto por méritos próprios, mas são consequência de uma situação política que não controlam.
Bolsonaro foi beneficiado pelo desmonte dos partidos políticos tradicionais, que deveriam ter canalizado o desencanto do brasileiro para apresentar soluções menos traumáticas.

Especialmente o PSDB, que perdeu a conexão com a sociedade ao se converter a um pragmatismo que o colocou no mesmo rol dos partidos fisiológicos.
Todo o mundo político sabia que o fisiologismo do MDB colocava em risco seus parceiros e, no limite, a democracia, mas o PT não se furtou a chamá-lo duas vezes para vice de Dilma, assim como o PSDB formou a base de apoio do novo governo.

Ao apoiar o impeachment da ex-presidente Dilma e, em consequência, a assunção de Temer ao poder, o PSDB estava atuando dentro da democracia, da mesma maneira que fez no governo Itamar. Mas quando Temer perdeu sua legitimidade, em consequência da revelação da conversa nada republicana com o empresário Joesley Batista, os tucanos deveriam ter debandado, colocando-se como oposição a um governo fisiológico, refém de um passado comprovadamente corrupto, que não se emendou.

Da mesma maneira que o PT, os tucanos passaram a mão na cabeça de seus membros envolvidos em escândalos de corrupção, e carregaram o peso das negociações secretas de seu ex-presidente Aécio Neves com o mesmo Joesley, ou com o presidente Temer nas noites do Palácio da Alvorada, ou ainda da condenação de outro ex-presidente do PSDB, o ex-deputado Eduardo Azeredo.

Se não tivesse se descredenciado como representante de uma parte ponderável da sociedade brasileira, inclusive com votações demagógicas, como quando apoiou o fim do fator previdenciário, o PSDB poderia ser o receptáculo dos votos de quem buscava soluções para nossas mazelas.

Sem uma alternativa viável, com projeto menos radicalizado que o de Bolsonaro, esse eleitor ficou sem opção para tentar impedir a voltado PT ao governo, ainda mais agora que o ex-ministro José Dirceu explicitou o plano de “tomar o poder ”, não apenas ganhar a eleição. Até mesmo a definição de Alckmin como candidato à Presidência da República demonstra uma miopia em relação ao momento político que vivemos.

Se tivesse escolhido o ex-prefeito João Doria, não por seus méritos ou defeitos, mas por seu perfil antilulista, mais coadunado com a exigência de uma batalha política radicalizada, talvez não tivesse dado a chance de Bolsonaro se apropriar do antipetismo que domina a sociedade brasileira.

Provavelmente, Bolsonaro ficaria confinado a ser um candidato nanico, representante do baixo clero, se grande parte do eleitorado que hoje vota nele tivesse outra opção, mais civilizada.

Da mesma maneira, o PT errou ao escolher seu candidato de acordo com os caprichos e vontades de seu grande líder, o ex-presidente Lula, imaginando que ele, mesmo estando na cadeia, e com vários processos em andamento, comandaria as massas.

Comandou o partido, mantendo sua candidatura até a undécima hora, e designou Fernando Haddad para representá-lo nas urnas, imaginando que o simples fato de saberem que Haddad é Lula levaria a uma vitória retumbante.

Uma parte dos votos que supostamente Lula teria —chegou a ter 39% nas pesquisas—foi para Haddad, mas, diante da rejeição maciça que o lulismo provoca, hoje não dá nem mesmo para afirmar que Lula, acossado por tantas denúncias, ganharia fácil a eleição.

É claro que não se deve subestimar o carisma do ex-presidente, e sua capacidade de comunicação, mas a rejeição a Haddad se deve a Lula. Provavelmente, o erro de Lula foi não ter apoiado Ciro Gomes como candidato, numa coalizão do PT como PDT. Ao não abrir mão de liderar a esquerda brasileira, sem dar espaço dentro do PT, nem em outras agremiações, para novas caras, Lula manteve sua liderança incontestada, sua hegemonia pessoal. Mas pode ter sido o responsável pela derrota da esquerda que se avizinha.

Se, numa reviravolta, conseguir eleger seu preposto, se consagra.
Se tivesse escolhido Doria, o PSDB talvez não desse a chance de Bolsonaro se apropriar do antipetismo que domina o país.

O Globo, 06/10/2018