O que se viu ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) foi mais uma manobra de partidos políticos, desta vez PT e PCdoB da coligação de Fernando Haddad, e o PSB, tentando transmitir a impressão de que o pleito de 7 de outubro pode estar viciado devido à decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cancelar de 3,3 milhões títulos de eleitores que não fizeram o cadastramento biométrico obrigatório.
Os advogados do PT e do PCdoB alegaram que a falta desses eleitores nas urnas pode comprometer a eleição, pois pode ser uma diferença que influencie no resultado final. Atitude semelhante tomou o candidato Jair Bolsonaro, alegando irresponsavelmente que a urna eletrônica não é confiável, atribuindo a possibilidade de fraude ao PT.
A irresponsabilidade petista só foi diferente porque utilizou os meios legais para tentar recuperar esses eleitores que, supostamente, seriam petistas, pois os locais do recadastramento são no interior do país. Mas a idéia de que há uma orquestração para prejudicar o candidato petista ficou no ar.
De fato, a última eleição presidencial foi decidida por uma diferença de votos válidos de 3,28%, e a reclamação indica que o PT está aguardando uma eleição decidida no fotochart. O relator, ministro Luis Roberto Barroso, que teve apoio da maioria , disse que não constatou indício de que o cadastramento biométrico tenha prejudicado candidato ou partido específico. “O direcionamento da revisão [eleitoral] para prejudicar eleitores específicos é hipótese remota.”, disse ele, para encerrar afirmando que a ação cautelar deveria ser indeferida “sob o risco de se inviabilizar as eleições e lançar o país num caos”.
Esse caos foi explicitado no voto do ministro Edson Fachin, que disse que para aceitar a ação, teria que ser adiada a eleição. A Procuradora-Geral da República Raquel Dodge também se pronunciou contra, lembrando que “não há voto livre e igualitário sem alistamento confiável de eleitores aptos a votar. A Constituição concede direitos políticos a quem tenha cidadania, o que exige o alistamento eleitoral.”
Para ela, “o alistamento eleitoral completo” garante a segurança das eleições. Já a Advogada Geral da União (AGU) Grace Mendonça rebateu o argumento da defesa de que os mais pobres, que têm dificuldades para fazer o cadastramento é que foram sancionados, lembrando que a mesma dificuldade eles encontrariam ao votar na urna eletrônica, o que não pode justificar a presença de eleitores não identificados.
Advogados dos partidos que entraram com a ação alegam que o cancelamento “pode fazer a diferença, sim, nas eleições”. A advogada Maria Claudia Bucchianeri, que defendeu Lula no TSE, tentou culpar o Estado, que teria falhado “em chegar ao eleitor. O eleitor não recebeu o chamamento do Estado, em particular na região mais pobre do Brasil. Alguma coisa aconteceu e o Estado não logrou êxito.”
Eugênio Aragão, ex-ministro petista, fala em nome do partido. “As pessoas que estão sujeitas ao cancelamento do título são as mais pobres, as mais fracas, as que não têm recursos para chegar à zona eleitoral e fazer o cadastramento.” O ministro Gilmar Mendes foi direto, como sempre: “Ou as regras são seguidas ou o processo de concretização democrática, que culmina com as eleições, torna-se inviável.” Para ele, a ação “soa, para usar uma expressão mais suave, pelo menos extravagante”.
Os ministros que votaram a favor, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, usaram argumentos distintos. Marco Aurélio Mello utilizou-se de alegações humanitárias, ironizando o fato de que “manter a regra do jogo, vejam só, é colocar na “clandestinidade” esses eleitores, “como se não fossem cidadãos brasileiros”.
Lewandowski criticou os “tecnoburocratas do TSE” e assumiu a tese da defesa, de que esses milhões de títulos podem ser decisivos para as eleições. Jogando lenha na fogueira, disse que a situação é grave porque o sistema eleitoral vem sendo questionado por “setores antidemocráticos”, referindo-se às denuncias de Bolsonaro.
Como se, com o seu voto, não estivesse também colocando em risco a segurança jurídica do pleito.