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Quarenta anos depois

 

Não tive com o Museu Nacional a relação afetiva que tinha com o Museu de Arte Moderna, que na madrugada de 8 de julho de 1978 foi também destruído por um incêndio. Como professor da Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), participei durante algum tempo do Instituto de Design que funcionava no MAM, ao lado de Bergmiller, Goebel e Aloisio Magalhães. Em menos de uma hora, foram perdidos 90% do acervo, que incluía pinturas de Picasso, Salvador Dalí e boa parte da fase construtivista do uruguaio Joaquín Torres-García, além dos volumes da biblioteca especializada em artes visuais.

Por tudo isso, compartilhei de forma muito intensa neste fim de semana, pela televisão, as cenas de funcionários, professores e alunos chorando e protestando contra o descaso com que foi tratada uma das mais importantes entidades científicas e antropológicas da América Latina. Ainda não se sabe a dimensão real da perda de uma instituição de 200 anos e 20 milhões de peças — uma tragédia que comoveu o mundo como poucas vezes se viu, inclusive com ofertas de ajuda para a reconstrução, como o caso de Portugal e França.

Não se pode deixar de chamar a atenção também para a omissão da elite empresarial e da sociedade em geral diante do que durante décadas vinha sendo anunciado. Não foi por falta de alertas, inclusive da imprensa. A questão agora, nessa reta final da campanha, vai ser como os candidatos vão abordar os temas da cultura e da educação na medida certa.

No nosso país é muito raro o mecenas das artes, o doador, ainda mais de museus. Quando queremos dizer que uma coisa ou pessoa não tem mais serventia, diz-se com o maior desprezo que é “uma peça de museu”. Aqui, nem os corruptos usam a doação para lavar dinheiro. O rico empreiteiro condenado pela Lava-Jato paga propina aos políticos, mas dificilmente fará parte de uma lista de benfeitores de um museu.

Espera-se que se repita agora a grande campanha de solidariedade que foi deflagrada por ocasião do incêndio do MAM.

 

O Globo, 05/09/2018