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Obstáculos no Nordeste

 

A partir das eleições de 2006, o Nordeste passou a ser um reduto eleitoral petista. Foram seis turnos de vitórias avassaladoras. Em trabalho recente, o cientista político e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jairo Nicolau analisa fatores que podem afetar a intensidade da transferência de votos no principal reduto petista, sem a presença de Lula nas campanhas e, sobretudo, na urna eletrônica.

Em 2006, Lula obteve 60% dos votos dos eleitores nordestinos no primeiro turno, o maior percentual alcançado na história das eleições presidenciais por um candidato em uma determinada região, ressalta Nicolau. Ainda que Dilma Rousseff tenha obtido em 2010 e 2014 um percentual levemente menor do que Lula, a ideia de reduto se manteve.

No primeiro turno das eleições de 2014, 27% dos eleitores que compareceram para votar moravam no Nordeste. Desse modo, um candidato que receba 50% dos votos na região já garante cerca de 13,5% em âmbito nacional. Lula tem até 80% em certos estados nordestinos.

Jairo Nicolau diz que ninguém pode ter dúvida de que Fernando Haddad crescerá no Nordeste à medida que se torne conhecido dos eleitores da região. Existe uma versão corrente que sugere que essa transferência de votos de Lula será simples e automática, mas Nicolau lembra que, embora isso possa acontecer, há alguns obstáculos.

O reduto petista no Nordeste foi consolidado quando o partido estava à frente da Presidência. As eleições de 2006, 2010 e 2014 tiveram um caráter plebiscitário, a favor ou contra as políticas públicas do governo petista, fator que não estará presente este ano. Jairo Nicolau lembra que temas centrais da campanha ainda não estão postos. “Será a divisão entre os que apoiam e rejeitam Bolsonaro? Ou a crise econômica e as melhores propostas para superá-la? Ou até, quem sabe, uma mera ênfase nos atributos dos candidatos, sem grandes discussões sobre o país”, questiona o cientista político.

Para o PT, diz Nicolau, interessa recolocar o tema plebiscitário em outras bases, em torno de uma nova agenda: os que defendem a “volta do PT” versus os que são “contra a volta do PT”. A polarização pode ter um papel fundamental para impulsionar a transferência de votos no Nordeste.

Nas três últimas eleições, o PT praticamente não teve adversários no Nordeste. A dúvida, ressalta Jairo Nicolau, é até que ponto a candidatura de Ciro Gomes, político que fez sua carreira no Ceará, poderá ser uma barreira para o crescimento do PT. Nas duas eleições em que concorreu, Ciro teve o seu melhor desempenho no Nordeste — 12% dos votos dos que compareceram em 1998, e 15% em 2012 —, embora em patamares inferiores à votação do PT e do PSDB.

Jairo Nicolau acha que ainda é cedo para falar sobre o desempenho de Marina e Bolsonaro no Nordeste, já que a expectativa é que o crescimento do candidato petista “avance” sobre os votos que hoje esses candidatos obtêm na região.

No primeiro turno de 2014 havia uma expectativa de que os votos nulos e em branco poderiam crescer. Como tradicionalmente os votos inválidos são mais altos nas cidades mais pobres e com menor escolaridade, esse crescimento poderia afetar a candidatura de Dilma Rousseff. Mas isso não aconteceu.

O percentual de votos nulos e em branco foi praticamente o mesmo das eleições anteriores. A expectativa do cientista político Jairo Nicolau é que os votos nulos por protesto cresçam nas eleições de 2018, repetindo padrão já observado nas eleições municipais de 2016.

Mas, segundo ele, o que deve preocupar os dirigentes petistas é outro tipo de voto inválido, fruto da desinformação e do erro. Com uma campanha curta, sem dispor do mesmo tempo de televisão das eleições anteriores, sem a presença física de Lula nas atividades de rua e com muito menos dinheiro para gastar na campanha, o desafio do PT é fazer o nome do candidato Haddad chegar aos eleitores de baixa escolaridade, baixa renda e moradores das pequenas cidades do Nordeste.

Para Jairo Nicolau, sem uma informação precisa sobre a existência de um “candidato do Lula”, o voto nulo e em branco tenderá a crescer na região.

O Globo, 25/08/2018