A seleção brasileira joga amanhã em São Petersburgo um dia depois do começo oficial do verão, o que significa nessa parte do mundo noites mais longas e dias mais curtos. Hoje, com o solstício de verão começando às 10h07m, teremos o dia mais longo do ano. As famosas “noites brancas”, que dão o título e a ambientação de um romance de Dostoiévski, e tornam essa época do ano uma atração turística a mais em regiões do hemisfério norte, momento em que o sol está mais próximo da Terra.
Em 1914, o nome da cidade foi mudado para Petrogrado e, em 1924, para Leningrado, mas sempre foi conhecida por seus habitantes simplesmente como Peter. Em 1991, com o fim da União Soviética, voltou a chamar-se oficialmente de São Petersburgo, também a terra natal de Vladimir Putin, que começou sua vida política quase que por acaso, como assessor do prefeito, em 1990.
Pela proximidade afetiva, a cidade mais ocidentalizada da Rússia recebe tratamento prioritário do homem que está no comando do país há quase 20 anos, e também já foi alvo de ataques de separatistas chechenos para atingi-lo diretamente.
O estádio Krestovsky, do time de futebol local Zenit, é o mais tecnológico dos que servem de sede neste Mundial da FIFA, e também dos mais polêmicos da série de polêmicas que cercam os estádios de futebol construídos ou reformados para a Copa. As obras custaram mais de R$ 2 bilhões e até mesmo denúncias de trabalho escravo foram feitas, sobre operários norte-coreanos explorados em condições sub-humanas, da mesma maneira que já aconteceu no Catar, que sediará a Copa do Mundo de 2022.
O estádio tem capacidade para mais de 68 mil pessoas e, de autoria do arquiteto japonês Kisho Kurosawa, foi chamado de spaceship (espaçonave). Tem um sistema móvel de cobertura que permite no inverno que seja fechado e utilizado em shows e outros esportes. O gramado tem um sistema especial idealizado para preservá-lo quando não há jogo de futebol.
Depois de ter se alistado na KGB (serviço secreto da antiga União Soviética) com apenas 16 anos, Putin usou a prefeitura de Leningrado, hoje São Petersburgo, para dar impulso à sua carreira política. Sete anos depois de surgir na cena política como assessor do prefeito, em 1997, o então presidente Boris Ieltsin nomeou-o chefe do Serviço Federal de Segurança (FSB), serviço de inteligência que substituiu a KGB com o fim da União Soviética.
Pouco tempo depois, Ieltsin indicou Putin para ser seu primeiro-ministro, e ele assumiu o comando da Federação Russa em 1999, com a renúncia de Ieltsin. No livro “De Gorbachev a Putin”, o professor da USP Ângelo Segrillo explica assim o protagonismo de Putin nos tempos atuais: “Criticado fortemente por grande parte do establishment ocidental e por liberais russo, é visto positivamente por grande parte da população russa, principalmente devido ao sentido de ordem, econômica e política, que imprimiu ao país, em contraste aos conturbados anos de 1990”.
É dentro desse ambiente de retomada de um autoritarismo que se respalda na garantia de segurança e no protagonismo russo na geopolítica internacional, que deve ser entendida a organização da Copa do Mundo, e, sobretudo, a importância que São Petersburgo tem para a Rússia, historicamente, mas também como projeto de modernidade como o “spaceship” onde se realizará o jogo do Brasil amanhã.
A Estação Finlândia está lá, assim como a locomotiva que transportou o trem em que Lenin retornou à Rússia, em abril de 1917. O Palácio de Inverno, tomado de assalto na Revolução de Outubro, faz parte do Museu Hermitage. A Peter atual é uma cidade dominada por jovens, que convivem com esses símbolos históricos sem lhes dar grande importância.
Mas a estratégia de Putin de levar novamente a Rússia ao protagonismo internacional, explícita em um discurso de 2005, onde referiu-se ao fim da União Soviética, em 1991, como “a maior catástrofe geopolítica do século XX”, a cada evento internacional como a Copa do Mundo fica mais evidente.
Herdeiro do que classificou como “tragédia”, pois substituiu Ieltsin, que decretou o fim da União Soviética, Putin lamentou naquele discurso de 13 anos atrás que milhares de compatriotas russos tenham ficado isolados com a independência das repúblicas. A “tragédia” será reparada, parece ser seu recado.