Quem já morou na Urca nos anos 60, como eu, dificilmente poderia imaginar que o então mais seguro bairro do Rio iria se transformar em um campo de batalha de facções de bandidos capaz de fornecer o seguinte título para a primeira pagina do jornal de anteontem: “Sete corpos achados na Urca”. É um cenário que não tem nada a ver com o território edênico, modelo de segurança pública, onde me casei, onde meus filhos nasceram e foram criados.
Contribuíam para isso a topografia e as instalações. Com cara de cidade do interior, tendo apenas uma entrada e protegida pela histórica Fortaleza de São João, é uma área militar, concentrando a Escola Superior de Guerra, o Instituto Militar de Engenharia (IME), além de um batalhão do Exército. Por isso, era considerada inexpugnável. Bandido que ousasse entrar ali ficaria encurralado (agora, eles entram e saem pela mata).
E assim foi durante os mais de dez anos em que ali moramos e nunca trancamos a porta. Era um sobrado e ocupávamos o segundo andar, ao qual se subia por uma escada externa lateral. Bastava enfiar a mão pela grade da porta para abrir o trinco. Não se usava chave. O carro dormia na rua e nunca tivemos qualquer sobressalto, nem dentro nem fora de casa.
Os vizinhos se conheciam, e as crianças andavam sozinhas pelas ruas e praças. Mauro, com seus seis anos, costumava ir para a banca folhear revistinhas de graça. Sentava num banquinho e, todo prosa, dizia para o dono: “meu pai também é jornaleiro”. Às vezes, ele e Elisa se perdiam nas enormes filas do programa do Chacrinha na TV-Tupi.
Na última sexta-feira agora, esse sonho de bairro acabou. Um intenso tiroteio entre policiais e traficantes, com helicópteros e jet-skis, paralisou pela primeira vez em mais de cem anos o Bondinho do Pão de Açúcar, uma das duas principais atrações do Rio. Abrigados no auditório para onde foram levados pelo guia Júlio Teodoro, os visitantes custaram a entender o que estava acontecendo. Uma mexicana achou que eram fogos. “Na Cidade do México não tem muito disso e então foi algo que nos impactou, pois estávamos muito perto do que aconteceu”. O chileno confundiu o barulho com trovões. “No Chile não temos muito esse tipo de situação”. O uruguaio previu que se a violência urbana não for contida isso vai afetar a imagem do Rio e reduzir o número dos que pretendem visitá-lo. “Fico com muita pena, pois a cidade é maravilhosa”. O guia Júlio Teodoro resumiu suas impressões: “parecia guerra, com os helicópteros passando. Uma situação desagradável. A imagem para os turistas é péssima”.
Alguém tem dúvida?