As primeiras radionovelas da Nacional, nos anos 40, eram todas importadas. Especialmente cubanas, a começar por “Em busca da felicidade”. Na medida em que o radioteatro se consolidou e absorveu a tecnologia dos roteiristas estrangeiros, formou-se um verdadeiro time de craques para o rádio no Brasil. O trabalho dos novelistas não ficou restrito apenas às adaptações. Começaram a surgir os autores, como Mário Lago e o meu saudoso amigo Francisco Ignácio do Amaral Gurgel.
Amaral Gurgel trabalhou comigo na editora Bloch, em 1958, no cargo de chefe da redação da revista Sétimo Céu, deixando saudades que perduram até hoje. Ali, redigiu três obras inesquecíveis, contando a vida dos grandes cantores populares: Roberto Carlos, Vanderlei Cardoso e Jerry Adriani.
Os novelistas, tanto da Nacional quanto da Tupi e da Tamoio, não levavam boa vida. Era trabalho duro manter no ar uma novela com três capítulos semanais de 23 minutos e ainda por cima ter que redigir comerciais. E isto porque os textos publicitários, que iam ao ar nos intervalos comerciais, eram feitos pelos próprios escritores.
Nessa época, a luta pela sobrevivência era dureza pura. E Amaral Gurgel tinha família para sustentar. O salário na Rádio Nacional era baixo, como costuma acontecer no serviço público. Então, além das atividades que exercíamos em Bloch Editores, consegui colocar o novelista, graças ao amigo Luís Rosemberg, para servir também à Editora Bruguera, de origem espanhola, que estava entrando no mercado editorial brasileiro. Ela publicava romances de categoria internacional e era preciso que as suas traduções fossem muito bem feitas. Entregar o serviço a Amaral Gurgel era uma garantia de qualidade. Isso foi feito com muito sucesso.
Não hesito em afirmar que Amaral Gurgel foi o maior novelista brasileiro de todos os tempos. Precursor da radionovela, escreveu mais de trezentas obras para o rádio e televisão, além de tantas outras para o teatro, não obstante a morte prematura de seu pai o tenha obrigado a deixar a escola no terceiro ano do ensino fundamental.
Com muito entusiasmo, recebi o livro “Da locomotiva à máquina de escrever” (Editora Chiado, 2018), escrito a quatro mãos por dois dos seus maiores fãs: José Sergio do Amaral Gurgel e Sergio Ricardo do Amaral Gurgel, filho e neto do escritor. A obra foge ao padrão tradicional das biografias, comumente repleta de datas e minuciosas descrições sobre as celebridades homenageadas. A narrativa revela saudosas recordações, além da história das radionovelas brasileiras. Ao percorrer as 168 páginas, o leitor encontrará os mais íntimos relatos, ilustrados por raras fotografias e recortes diversos de matérias divulgadas pela imprensa, a respeito desse gênio da literatura brasileira.
Tribuna do Agreste, 04/06/2018