Há muito tempo eu não via uma curiosidade tão grande quanto a que cercou a sessão de anteontem do Supremo Tribunal Federal. Parecia expectativa de jogo da seleção. Na saída de casa, ouvi um porteiro perguntando para outro: “Será que ele vai ser preso?”. Ao pegar o táxi na volta da Academia, o motorista estava com o rádio transmitindo de Brasília e sorriu agradecido por eu não pedir que ele abaixasse o volume. Ao contrário, pedi para aumentar.
Partimos satisfeitos os dois — ele, por ter encontrado um passageiro de gosto parecido com o seu, e eu por saber que o STF estava estabelecendo contato com o grande público, também através do debate televisivo, com o risco de expor cenas desagradáveis como as da véspera, quando dois ministros quase foram às vias de fato. Era o preço da transparência.
Essa comunicação, porém, iria esbarrar na barreira da linguagem, e começou a aparecer quando um dos doutos debatedores usou a expressão “vocação protetiva”. O motorista me olhou pelo espelho como se pedisse explicação. Eu disse qualquer coisa, e ele se conformou. Em seguida, foi “quadro fático”. Me enrasquei tanto tentando uma definição que ele percebeu minha insegurança, mais visível à medida que os ministros, encantados com as próprias vozes, não paravam de usar palavras difíceis, como “postura garantista” e “abstrativou”.
Na quarta ou quinta vez em que foi empregado o termo “teratologia” ou “teratológico”, o meu companheiro de viagem quase gritou sua decepção diante de minha cara de absoluta ignorância. Ao me pegar na porta da ABL, onde faz ponto, ele deve ter achado que aquele “imortal” iria resolver pelo menos algumas de suas dúvidas semânticas. Que nada.
Em casa, fui direto ao “Novo Aurélio” procurar o significado da palavra de que os ministros tanto gostavam e da qual eu tinha apenas uma vaga ideia. O verbete era sucinto: “Teratologia — narração de coisas maravilhosas. Estudo das monstruosidades”. No “Houaiss”, a definição assustava: “especialidade médica que se dedica ao estudo das anomalias e malformações ligadas a uma perturbação do desenvolvimento embrionário”.
Minha mulher estava sentada vendo o “Em pauta”, da GloboNews, como sempre. Ela tinha ouvido os comentários e assim pôde me explicar tudo o que eu não entendera no rádio do carro. “Quer dizer que o Supremo deu uma espécie de salvo-conduto a Lula até o dia 4 de abril?” Nem isso eu tinha entendido direito.
Amanhã, vou procurar o motorista no ponto para comentar com ele o resultado da sessão e revelar o significado de “teratológico”.