A internet não deu voz apenas aos idiotas, como disse Umberto Eco, mas também aos mentirosos, como provou a onda de sórdidos ataques a Marielle Franco, tentando matar sua memória. O mais grave é que a infame campanha de boatos foi difundida pela desembargadora Marilia Castro Neves e pelo deputado Alberto Fraga, com versões intencionalmente falsas e difamatórias.
Não se sabe o que foi mais ultrajante, se as acusações ou as alegações de alguém que, como magistrada, tinha a obrigação de apurar suas denúncias contra quem não podia se defender, “um cadáver comum”, como depreciou. Ao afirmar que “a tal Marielle estava engajada com bandidos” e que fora eleita por uma facção criminosa, ela ainda acrescentou, antecipando-se às investigações, que as razões do assassinato estavam no “descumprimento de acordos assumidos com seus apoiadores”. Todas as afirmações contra Marielle eram falsas, a começar pela origem do apoio recebido nas urnas. A maioria de seus eleitores estava nos chamados bairros nobres. Já na zona eleitoral formada pelo Complexo da Maré, onde atua o Comando Vermelho, ela obteve apenas 1.688 de seus 46 mil votos, que fizeram dela a quinta mais votada em 2016.
Outras fake news foram desmentidas por serviços que apuram a veracidade de informações, como o “É isso mesmo?”. Por exemplo, Marielle não ficou grávida aos 16 anos; ela teve sua única filha aos 19. Também não foi casada com nenhum dos Marcinhos VP, nem o ainda vivo nem o que já morreu. Anteontem, a desembargadora postou um “mea-culpa” no seu Facebook, admitindo que repassou “de forma precipitada” notícias contra a vereadora. O deputado também já tinha feito o mesmo. Tomara que as pessoas que leram as mentiras leiam também os desmentidos, embora se saiba que estes não têm a força daquelas. Não frequento redes sociais como uma forma de profilaxia e higiene mental. As notícias que me chegam delas são desanimadoras. Agora mesmo, fiquei sabendo de um desagradável desentendimento entre pessoas que, em outros tempos, estariam brigando contra a ditadura e hoje brigam entre si por uma causa que não tem dois lados, já que nenhuma, claro, é a favor da execução de Marielle e Anderson. Estão rompendo antigas relações por mera intolerância e por idiossincrasias.
Para isso, recomendo o artigo do colunista Farhad Manjoo, do “NYTimes” (no GLOBO de 17/03), que fez “abstinência digital” por dois meses, informando-se apenas por jornais e revistas. O resultado é que, entre outros benefícios, ele pôde ler seis livros e tornar-se “um pai e um marido mais presente”.
A dieta é também — acrescento eu — um santo remédio para desopilar o fígado, o órgão que hoje substitui a cabeça nas discussões políticas.