A recusa por unanimidade do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em conceder habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula, além de todas as implicações colaterais, tem um significado fundamental para a nossa ordem jurídica que foi muito bem abordado pelo ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas em seu voto.
Os cinco ministros que votaram contra a pretensão da defesa do ex-presidente destacaram que a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prisão em segunda instância deve ser a regra, pois decisões pessoais de ministros contrários à orientação não têm poder vinculante.
Os aspectos técnicos da questão foram muito bem analisados em seus diversos matizes, e vários deles salientaram a necessidade de se ter uma jurisprudência que permita segurança jurídica, que não seja alterada ao sabor dos acontecimentos. Mas o ministro Ribeiro Dantas foi o que mais se dedicou a ressaltar a importância da prisão em segunda instância para a efetividade de nosso sistema penal, tratando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) como um ponto fundamental para dar eficácia ao nosso sistema jurídico.
Retornando à interpretação que sempre dera ao tema até 2009, salientou o ministro, “a Corte Suprema, certa ou erradamente, pretendeu equilibrar o princípio constitucional da amplitude da defesa e do devido processo legal num sistema judicial como o nosso ― de até quatro instâncias! ― com os da eficácia da aplicação da lei penal e da razoabilidade da duração do processo, que decerto não pode considerar só seus aspectos de conhecimento, mas também abrange sua execução”.
Na verdade, é disso que se trata nesse momento crucial da vida nacional: tornar a aplicação da lei penal efetiva, encerrando um longo ciclo de impunidade dos crimes de corrupção do colarinho branco que prevaleceu com as possibilidades recursais infinitas.
A tentativa de revisão da decisão do STF sobre prisão em segunda instância tem uma conseqüência imediata sobre a Operação Lava Jato, aqui entendida em todos os seus desdobramentos pelo país. Foi a partir da retomada da jurisprudência anterior a 2009, acatada até mesmo pela Constituição de 1988, que se abriu caminho para a efetividade das delações premiadas, que mudaram o panorama das investigações criminais no país.
Para o ministro do STJ, ao dizer que não se faz necessário aguardar o trânsito em julgado da decisão criminal condenatória para que se pudesse começar a executar a pena privativa de liberdade, o Supremo descolou a presunção constitucional da inocência (ou não culpabilidade, como preferem alguns) da problemática da execução penal.
Referindo-se indiretamente ao caso concreto do ex-presidente Lula, o ministro Ribeiro Dantas ponderou que questões metajurídicas e metaprocessuais relevantes não são suficientes para promover “um tratamento diferenciado afrontoso à cidadania”. Ele relembrou que em sua sabatina para entrar no STJ defendeu que a prisão, após a condenação em segunda instância, é razoável como uma forma de cumprir a Constituição e, ao mesmo tempo, dar eficácia à aplicação do Direito Penal.
A interpretação literal que o Supremo Tribunal Federal não fazia antes, e começou a fazer em 2009, “estava deixando o Direito Penal no Brasil praticamente sem efetividade para todos aqueles que conseguissem trazer as causas para as instâncias superiores, porque o trânsito em julgado se daria em um prazo tão delongado que, em muitas situações, ocorreria a prescrição ou a nunca aplicação da pena. Há muitos casos de réus que foram processadas durante décadas e morreram sem ter sofrido as sanções que mereciam”.
E é uma interpretação razoável porque o cumprimento da prisão é daquele que tem responsabilidade, o que em princípio se prova nas instâncias onde a prova é analisada, na primeira e na segunda instâncias, nas instâncias ordinárias. Ademais, salientou o ministro Ribeiro Dantas, os recursos especial e extraordinário não se destinam precipuamente a proteger o direito subjetivo da parte, eles se destinam a proteger o direito objetivo: no caso do recurso especial, a lei federal; no caso do recurso extraordinário, a norma constitucional.
O ministro do STJ definiu assim a missão dos que compõem o sistema judicial brasileiro: “tentar o difícil ou o quase impossível equilíbrio entre garantir os direitos do réu e também os da sociedade, porque esse cumprimento provisório da pena é duro, é difícil, porém necessário para reverter a situação de impunidade que vivíamos.”
É isso que está em jogo neste momento, não permitir a volta de um sistema penal que favorece a impunidade dos que têm poder aquisitivo para prolongar os processos nos tribunais superiores.